Consultório Financeiro

Ainda vale a pena aplicar em Tesouro Selic?

“Há um ano todo mundo falava pra colocar a reserva de emergência em Tesouro Selic e agora tem gente falando que ele pode dar prejuízo ou ficar igual a poupança. Ainda faz sentido ter minha reserva nesse produto?”

Mauro Torres, CFP®, responde:

A resposta direta é sim, faz sentido. O perfil médio da reserva constituída para situações de emergência tende a apresentar prazo mais alongado que o daquela cuja finalidade é aproveitar oportunidades no mercado financeiro. Para a reserva de emergência, o Tesouro Selic (título que se denomina Letra Financeira do Tesouro) oferece razoável balanceamento entre risco, retorno e liquidez.

O risco do instrumento (título) associado ao Tesouro Selic é de o emissor não honrar o pagamento no vencimento; esse risco (do não pagamento das emissões em moeda local) é muito baixo conforme métricas de risco tradicionais. E, por ser um título pós-fixado (remunerado pela Selic), o instrumento propicia um nível de risco de mercado menor que o de outros títulos também emitidos pelo Tesouro, como aqueles que possuem taxas pré-fixadas. Isso decorre do fato de que o valor dos títulos públicos pré-fixados é inversamente proporcional à taxa de juros. Quando a taxa pré-fixada sobe, o preço do título cai e vice-versa. A liquidez se traduz na capacidade do titular de vender o ativo sem grandes descontos, que se traduziriam em perdas.

Com base em outros aspectos citados na pergunta, observa-se que o eventual prejuízo no curto prazo nesses instrumentos decorre do fato de que há, na precificação desses títulos, uma taxa negocial pré-fixada complementar à taxa Selic (que remunera o título), que se chama “ágio” quando essa taxa é negativa, e “deságio” se positiva. Em momentos de maior volatilidade e incerteza, no cenário externo ou interno, pode ocorrer um aumento no deságio dos instrumentos associados ao Tesouro Selic, o que, combinado com uma taxa Selic baixa (verificada atualmente), pode acarretar perdas no curto prazo nesse tipo de título.

Na prática, quem aplicou em Tesouro Selic com vencimento em 01/03/2021 no dia 24 de setembro de 2020 iria obter até o vencimento, além da taxa Selic, uma taxa pré-fixada de 0,05% ao ano (a.a.). Já no dia 7 de outubro de 2020, para o mesmo instrumento (título) com mesmo vencimento, a taxa pré-fixada era de 0,16% a.a. Ou seja, em menos de dez dias úteis a parcela de taxa pré-fixada sofreu aumento superior a 200%. Como a apropriação da taxa Selic nesse período foi inferior à variação das taxas pré-fixadas (que atuam de forma inversa ao preço do título), a aplicação registrou desvalorização e, se houve o resgate dessa aplicação, realizou-se um prejuízo. É importante destacar que o registro da perda contábil decorrente da marcação a mercado só se torna prejuízo quando há o resgate. Até então, é apenas registro contábil.

Quanto à rentabilidade, a aplicação em Tesouro Selic, mesmo no atual cenário, é superior à da poupança. A regra de remuneração da poupança que se iniciou em maio de 2012 estipula que o seu rendimento (para taxa Selic igual ou inferior a 8,5%, situação atual) é de 70% da Selic. Já no Tesouro Selic, a taxa é de 100% da Selic somada a alguma taxa pré-fixada, portanto a aplicação é mais rentável. Isso mesmo se considerada a atual alíquota máxima prevista na tabela regressiva de tributação, incidente nas operações de títulos de renda fixa.

A alocação da reserva de emergência em Tesouro Selic continua respeitando a racionalidade alocativa, baseada em risco, retorno e liquidez.

Mauro Torres é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 26 de julho de 2021.

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