Consultório Financeiro

Como deve ser feita a partilha de uma casa que ficou de herança?

“Perdi minha esposa com quem fui casado por 28 anos. Tenho 2 filhos, minha esposa tem 4 filhos e o pai destes também é falecido. Tenho uma casa que preciso vender por necessidade. É meu único bem. Posso vender sem a autorização dos 4? Tenho que dividir com todos?”

Sigrid Guimarães, CFP®, responde:

Para propor uma solução adequada a questões de sucessão, é sempre importante conhecer as particularidades inerentes à família, o regime de casamento e os instrumentos de sucessão vigentes, além de analisar o patrimônio global.

Determinar se a casa é um bem particular (exclusivo) do marido ou um bem comum ao casal é o critério fundamental para uma resposta apropriada à pergunta. Tratando-se de bem particular, não entrará na partilha dos bens da esposa, e a autorização dos filhos não será necessária para a venda. Caso seja um bem comum ao casal, 50% do imóvel é de propriedade da esposa e será herança legítima de todos os filhos dela, considerados seus herdeiros necessários. Nesse caso, a venda dependerá da autorização deles.

O regime de bens do casamento (ou da união estável) é uma variável fundamental para determinar se estamos tratando de um bem particular ou comum. 

No regime de comunhão total, todos os bens, presentes e futuros, são comuns. Portanto, se for esse o caso, os 50% do patrimônio do casal relativos à esposa falecida compõem a sua herança, e a venda deverá ser autorizada pelos herdeiros, os filhos. As únicas exceções a essa regra são bens que tenham sido herdados ou recebidos em doação com cláusula de incomunicabilidade por apenas um dos cônjuges. Assim, somente se o marido tiver adquirido o imóvel por um desses meios (herança ou doação com cláusula de incomunicabilidade) ele será seu proprietário exclusivo, e a venda dispensará autorização. 

No regime de comunhão parcial, os bens adquiridos durante o casamento são, a princípio, comuns, e aqueles adquiridos anteriormente são exclusivos. Se a propriedade for anterior ao casamento, a casa não entra na partilha e pode ser vendida sem autorização dos filhos da falecida. Caso tenha sido adquirida após o casamento, 50% dela compõe a herança a ser partilhada pelos filhos da esposa, que deverão autorizar a venda. As exceções são 1) bens comprovadamente adquiridos com recursos originados antes do casamento, 2) herdados ou 3) recebidos em doação. Essas mesmas regras aplicam-se às uniões estáveis, salvo se um pacto entre o casal eleger um regime de bens diverso do regime da comunhão parcial.

No caso do regime de separação total (e presumindo que o bem esteja em nome apenas do marido), o imóvel será sua propriedade exclusiva. Não fará parte da herança da esposa e poderá ser vendido sem autorização.

Resta, ainda, verificar a existência de algum instrumento de sucessão que tenha sido deixado pela esposa, como um testamento. A legislação prevê que metade do patrimônio dos pais falecidos é direito dos filhos, compondo a chamada legítima. Os outros 50%, no entanto, podem ser destinados, em testamento, a qualquer outra pessoa, sem a necessidade de justificativa.

Importa ressaltar, por fim, que se o bem em questão integrar o patrimônio da esposa a transmissão aos herdeiros se dará por inventário e exigirá o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre o valor do bem. 

Como já mencionado, a avaliação de uma questão sucessória depende de respostas particulares para uma série de perguntas. Se possível, consulte um advogado ou um planejador financeiro para melhor auxiliá-lo nesta e em outras questões patrimoniais.

Sigrid Guimarães é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

 As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 28 de junho de 2021.

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