Consultório Financeiro

Como funciona doação de imóvel por usufruto?

“Meu pai é separado da minha mãe (mas não divorciado) e há mais de 20 anos convive com a atual companheira (não casados) que não tem herdeiros. Meu pai possui 06 filhos. Ela (atual companheira) pode doar somente a mim a casa como nua propriedade com usufruto vitalício? Meus irmãos podem recorrer por algum direito? Informo ainda que a casa está no nome dela”.

Aldo Pessagno, CFP®, responde: 

Prezado leitor.

O planejamento financeiro envolve diversas facetas, sendo que destas, a questão sucessória se sobressai pela complexidade de dispositivos envolvidos, assim como a avaliação subjetiva que a caracteriza. O caso que você nos apresentou não é exceção.

No que tange ao relacionamento do seu pai com a atual companheira, apesar de não haver o matrimônio, estaria caracterizada a figura da União Estável, cujas consequências patrimoniais se equipara ao casamento. Como separado de fato, seu pai, apesar de não divorciado, não está impedido legalmente para constituir nova relação. Para configurá-la, basta que o relacionamento apresente convivência pública; contínua e duradoura; e estabelecida com o objetivo de constituir família.

Caracterizada a União estável, salvo o casal tenha disposto em sentido diverso via contrato escrito, o regime de bens considerado é a Comunhão Parcial. Isso significa que todo o patrimônio adquirido pelas partes onerosamente durante a união estável será comum; o que foi adquirido previamente continuará pertencendo exclusivamente aos proprietários individuais. Heranças e doações recebidas, mesmo durante a união estável, não integram o patrimônio comum do casal.

Com o regime de bens já definido, fica a pergunta: quem é chamado à sucessão no caso de morte de um dos companheiros? O código Civil estabelece que a sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: descendentes em concorrência com cônjuge/companheiro sobrevivente; ascendentes em concorrência com cônjuge/companheiro sobrevivente; cônjuge/companheiro; colaterais; e Estado.

Adicionalmente, é importante frisar que os descendentes, ascendentes e cônjuge do de cujus são considerados pela lei “Herdeiros Necessários”, e por conta disso fazem jus a “Legítima” -parcela equivale a 50% do patrimônio deixado. Ou seja, se uma pessoa possuir filhos, pais ou cônjuge ela só poderá dispor de 50% do seu patrimônio para livre direcionamento.

No caso da companheira do seu pai, já podemos auferir que existe um herdeiro necessário (companheiro), e que por conta disso, ela só pode dispor de 50% dos bens.

Supondo que esse imóvel seja o único bem dela, que ele tenha sido adquirido antes da União Estável (ou nos outros casos mencionados acima) e adicionalmente o casal não tenha patrimônio comum; essa doação não poderá ser feita em sua totalidade, pois como herdeiro necessário seu pai já disporia da metade.

No caso desse imóvel ter sido adquirido onerosamente na constância da união, mesmo que registrado em nome dela, por ser um patrimônio comum, seu pai teria direito a meação, sendo coproprietário do imóvel.

É perceptível que existem muitas variáveis a se ponderar, e ainda outras que nem sequer foram levantadas, como a possibilidade de você (e talvez seus irmãos) serem considerados como filhos (portanto, herdeiros necessários!) da companheira de seu pai. O entendimento dos tribunais hoje caminha para uma caracterização sócio afetiva de filiação, suplantando a ligação apenas genética ou a adoção. Por conta disso, é muito importante ter sempre uma consultoria especializada para avaliar caso a caso.

Aldo Pessagno é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected].

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected].

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 18 de dezembro de 2019.

0