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Por que o FGC não salvou (toda) a pele de Pedro

Marcia Dessen, CFP®:

Na semana passada, contei a história do Francisco, que fez a lição de casa direitinho, estudando todas as regras do FGC antes de embarcar em uma operação com risco de crédito. O Pedro, cheio de autoconfiança, assumiu mais risco do que imaginava, contando com uma proteção que ele não tinha. Se tivesse pesquisado as regras antes de investir, poderia ter evitado as perdas.

Tudo se trata do limite, do correto entendimento do limite da garantia. O entendimento de Pedro acerca do limite não estava errado, mas incompleto. Ele sabia que o limite é de até R$ 250 mil por CPF, por instituição ou conglomerado financeiro.

Tentando aproveitar ao máximo a rentabilidade de uma aplicação financeira em CDB, usou uma conta conjunta com três titulares, três CPFs diferentes, para investir R$ 750 mil.

Pedro exagerou no valor da aplicação. O limite da garantia de R$ 250 mil se verifica na data da liquidação ou intervenção em instituição financeira na qual o investidor detenha valor garantido, esclarece Daniel Lima, diretor-executivo do FGC. Sendo assim, o valor inicial da aplicação deve ser inferior ao limite, deixando espaço para que os rendimentos também sejam incluídos na proteção.

O erro fatal (ou capital) de Pedro foi o de não se inteirar de que, no caso de conta conjunta, a garantia de R$ 250 mil será dividida em partes iguais entre os titulares da conta.

Na data da liquidação da instituição, o montante do investimento mais o saldo da conta conjunta era R$ 780 mil. Entretanto, o valor garantido é igual a R$ 250 mil dividido por três, portanto, cada correntista receberá R$ 83.333,33. Sim, nesse caso, o limite é por conta, não importando a quantidade de titulares ou a relação de parentesco entre eles.

O que acontece com o valor excedente de R$ 530 mil? Pedro entra na lista de credores da instituição em liquidação para tentar recuperar ao menos parte desse capital não coberto pela garantia do FGC. A má notícia é que alguns credores têm preferência em relação ao Pedro —por exemplo, os créditos trabalhistas e os tributários, que são os primeiros da fila de credores. Se esses créditos esgotarem os valores arrecadados na liquidação, não sobrará mais nada para os demais credores.

O investidor, que de livre e espontânea vontade emprestou dinheiro para a instituição por intermédio do investimento realizado, vai sentir na pele, e no bolso, o significado de risco de crédito. Com sorte irá recuperar, anos depois, parte do capital investido que não estava coberto pela garantia do FGC.

Pedro não está no final da fila dos credores, os subordinados e os acionistas são os últimos da fila que disputam os bens da massa falida. Na prática, é muito raro que a classe de credores do Pedro seja completamente ressarcida.

A lição aprendida é que devemos conhecer bem as regras do jogo antes de optarmos por uma jogada arriscada. A diversificação poderia ter evitado o estresse e a perda de capital.

Resumindo: o FGC garante até R$ 250 mil por conta, CPF ou CNPJ. Em caso de conta conjunta, a garantia é limitada a 250 mil para a conta. Essa garantia inclui tanto o investimento realizado como os juros acumulados até a data em que o Banco Central decreta um regime especial (intervenção ou liquidação).

Outro ponto de atenção se refere aos ativos que, a despeito de serem emitidos por instituições financeiras associadas, não contam com a proteção do FGC, como Letra Imobiliária (LI) e Letra Imobiliária Garantida (LIG).

E, por falar em aplicações que não são garantidas, vale lembrar que os títulos públicos, emitidos pelo Tesouro Nacional, também não contam com a proteção do FGC. Por quê? Porque não precisam dessa garantia, os títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional são considerados livres do risco de crédito, o governo se responsabiliza pelo pagamento.

O FGC não garante aplicações em fundos de investimentos de qualquer natureza, sejam os tradicionais e os previdenciários. Por quê? Porque as cotas de fundos não representam direitos creditórios contra instituições financeiras.

A pergunta que não quer calar: será que o FGC tem um patrimônio robusto para garantir depósitos e investimentos cobertos pela garantia do fundo? Segundo Daniel Lima, sim. Ele destaca que, conforme o mais recente balanço, publicado em junho de 2021, o patrimônio líquido do FGC era de R$ 88,3 bilhões, dos quais R$ 65,8 bilhões em caixa ou ativos líquidos; e que essa reserva é apropriada para suportar os riscos identificados no sistema bancário brasileiro.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 28/03/2022.

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