Consultório Financeiro

Qual parcela de uma herança pode ser doada?

“Minha mãe faleceu há poucos meses e meu pai já está com outra mulher. Ele pede para que nós filhos e herdeiros assinem a venda da casa de nossa mãe. Não queremos vender, pois é a única lembrança que temos da nossa mãe. Meu pai disse que, como não queremos vender, ele vai doar a parte dele para outra pessoa. Isso é possível? Ele pode doar os 50%?”

Hellen Vidal, CFP®, responde:  

Caro leitor,

O seu pai poderá doar a parte dele desde que não ultrapasse o limite de 50% do patrimônio. Para tornar esse processo menos traumático do ponto de vista emocional e mais efetivo em relação ao aspecto patrimonial, vamos analisar como se dará essa distribuição.

A lei define quem são os herdeiros, ou seja, os detentores da herança deixada pelo falecido, definição que é dada pelo Código Civil brasileiro.

Em primeiro lugar, temos os chamados herdeiros necessários, que possuem o direito à parcela legítima, nesta ordem:

1º – os descendentes em concorrência com o cônjuge/companheiro;

2º – se não houver descendentes, os ascendentes concorrem com o cônjuge/companheiro sobrevivente;

3º – se não houver descendentes nem ascendentes, o cônjuge/companheiro herdará tudo;

4º – se não houver descendentes, ascendentes nem cônjuge/companheiro, os herdeiros então serão os parentes colaterais (irmãos, primos, tios…).

Existem dois pontos a serem considerados nesse momento. Primeiro, vamos ter a meação, ou seja, a divisão do patrimônio comum do casal, conforme o regime de bens escolhido. Em segundo momento, temos a herança, ou seja, o patrimônio deixado pelo falecido.

O inventário será baseado nesses pontos e sempre será necessário, principalmente nos casos de disputa e controvérsia sobre a herança.

Se não houver acordo sobre a venda dos bens, não será um problema, pois a venda imediata dos bens da herança não é obrigatória. A alienação se dará por meio de um processo judicial, levando o imóvel a leilão.

Em relação a essa situação, o artigo 1.322 do Código Civil é bem específico:

“Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.”

No processo do inventário, deve ser autorizado pelo juiz que o imóvel seja alienado por meio de pregão. Então o dinheiro arrecadado será depositado nos autos do próprio inventário que está em andamento para que, dessa forma, seja dividido entre os herdeiros.

Já em relação à doação, podemos entender que é um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o patrimônio de outra (artigo 538 do Código Civil). Um ponto de atenção é que o Código Civil prevê que se deve respeitar a herança legítima, ou seja, o direito dos herdeiros necessários (cônjuge, ascendentes e descendentes) a 50% dos bens. Assim sendo, o seu pai poderá doar a parte dele limitada a 50% do patrimônio e, caso a doação ultrapasse esse limite, ele poderá ser questionado posteriormente. 

Quanto a essa parte, o seu pai poderá doá-la a quem quer que seja. É o que se chama “parte disponível” do patrimônio, composta de 50% do que se possui. A partir desse raciocínio e obedecendo a esses princípios é que o seu pai poderá praticar o ato da doação.

Vale lembrar que, de acordo com o artigo 548 do Código Civil, “é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”.

Portanto, ao esclarecer essa dúvida, esperamos que você consiga encaminhar o processo de inventário da melhor forma possível.

Boa sorte e força!

Hellen Vidal é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected] 

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 07 de junho de 2021.

0