Consultório Financeiro

Que tipo de doação de uma herança é possível fazer?

“O pai do meu filho faleceu. O avô do meu filho já doou seus bens (imóveis e terrenos) para outros netos e não deixou nada para o meu filho. Na última doação que o avô fez, os outros dois filhos tiveram que assinar abrindo mão dos bens. Está correta essa doação? Já que os filhos vivos tiveram que assinar, o neto, filho do filho falecido, não teria que assinar também como herdeiro do pai?”

Luciano Teixeira Pinheiro, CFP®, responde:

Cara leitora: a respeito do tema da doação, o Código Civil (CC) brasileiro, em seu artigo 548, não proíbe que um indivíduo doe seus bens desde que reserve parte destes, ou possua renda suficiente à sua subsistência.

Havendo os chamados herdeiros necessários (ascendentes, descendentes ou cônjuge, conforme o art. 1.845 do CC), a estes é resguardado o mínimo de metade do patrimônio (também chamado de parte legítima), portanto é permitido ao doador dispor dos outros 50% de seus bens (vide arts. 549 e 1.846 da mesma lei).

Assim, não há ilegalidade se a soma dos bens doados pelo idoso aos outros netos não tiver ultrapassado 50% do total de seu patrimônio.

Em relação à parte legítima da herança, de acordo com os dados fornecidos na questão, o avô teria como beneficiários seus dois filhos vivos e o espólio (conjunto de bens deixados) do terceiro filho.

Como sua questão menciona imóveis e terrenos (cujos valores frequentemente não são uniformes entre si), tenha em conta que a parte legítima da herança é composta por metade do valor da soma de todos os bens do idoso.

Quanto a essa metade, caberia a divisão igualitária entre os herdeiros necessários – como já dito, os dois filhos vivos e o espólio do terceiro filho.

Se o pedido para que os irmãos do falecidoassinassem um documento ocorreu com o intuito de que estes renunciassem à parte legítima da herança, ou renunciassem à sua antecipação (art. 544 do CC) em favor de seus próprios filhos, trata-se de um ato nulo. Explica-se.

Em primeiro lugar, porque os herdeiros só podem aceitar ou renunciar à herança que já lhes foi transmitida (art. 1.784, CC), desde que efetivamente haja bens e que o montante destes supere o valor de eventuais dívidas ou encargos deixados pelo falecido (arts. 1.792 e 836 do CC).

Segundo porque o art. 1.810 do Código Civil estabelece que “Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe”.

Isso significa que, em havendo três herdeiros de mesma classe (dois filhos vivos e o espólio do irmão destes), a parte legítima da herança à qual os dois irmãos vivos renunciassem seria revertida em favor do espólio do terceiro irmão.

O inventariante é quem representa o espólio em juízo, ou seja, assina, manifesta-se e responde em nome da reunião de bens deixados pelo falecido (art. 75, inciso VII, da Lei Federal 13.105/2015). Antes dele, a administração da herança cabe, sucessivamente, às pessoas elencadas no art. 1.797 do Código Civil.

Por fim, a doação, inclusive a que antecipa parte legítima (art. 544, CC), depende de aceitação ou recusa daquilo que se quer doar (art. 539, CC).

A recusa em receber o bem faz a doação morrer em sua origem, não podendo aquele que a recusa ceder ou transferir o bem que recusou em favor de um terceiro.

Em razão de todo o exposto, o filho da leitora, em desejando, poderá buscar orientação jurídica especializada a fim de resguardar seu direito à luz do artigo 549 do Código Civil.

Luciano Teixeira Pinheiro é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. Email: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 21 de junho de 2021.

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