Consultório Financeiro

Regimes de casamento que protegem a doação

Meu avô faleceu e deixou uma quantia de cerca de R$ 200 mil em três contas aplicadas em um VGBL [Vida Gerador de Benefício Livre] para mim. O valor de duas das contas já foi transferido para mim e o restante será transferido até o fim do mês. Vou me casar em breve e gostaria de saber como proteger esse valor para que ele não seja partilhado com o meu noivo em caso de divórcio. Não acredito que eu vá me divorciar, mas nunca sabemos o dia de amanhã e, o mais importante, não quero que esse dinheiro seja algo que possa ser responsável pela nossa separação.

Everson Lopes Stabile, CFP, responde:

Prezada leitora,

Seu avô fez um planejamento sucessório e direcionou parte desejada de seu patrimônio para você usando o instrumento de previdência, que, na minha visão, foi uma escolha acertada, pois com a utilização do plano de previdência economizou-se 4% (a alíquota do Estado de São Paulo) do ITCMD (Imposto de Transmissão por Causa Mortis e Doação), honorários advocatícios, custas judiciais e o seu tempo, além de ter direcionado o valor realmente desejado a você, que somente poderá ser questionado pelos demais herdeiros caso ele tenha ferido a legítima, ou seja, ultrapassado mais de 50% do patrimônio total do doador.

Sua coragem e franqueza ao buscar orientação sobre como “blindar” o capital doado é muito interessante e não poderia passar despercebida, uma vez que somos um povo emocional. Trazer à tona antecipadamente a discussão demonstra características de quem tem objetividade, racionalidade e executa o planejamento como ferramenta de vida.

A melhor maneira de proteger este patrimônio passa pela escolha do regime de casamento: a comunhão parcial e a separação total são os dois regimes de bens mais adequados no seu caso.

A comunhão parcial de bens é o regime em que existe a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento. Excluem-se os bens detidos pelos cônjuges até o casamento ou que tenham sido adquiridos por causa anterior e alheia, como doação, sucessão ou exclusivamente com valores pertencentes a um dos cônjuges. Caso não haja manifestação por outro regime, a comunhão parcial de bens é considerado o regime “automático” no Brasil.

Na separação total de bens não há comunicação de bens em decorrência do matrimônio. Nesse regime os bens permanecerão sob a administração de cada cônjuge, podendo ele alienar ou dar em garantia de operações sem a ciência do outro, permitindo assim mais liberdade nas movimentações patrimoniais.

Muito importante ressaltar a característica “líquida” do dinheiro, que uma vez misturado é de difícil separação. Assim, convém manter sempre esse capital devidamente segregado das movimentações do dia a dia, se possível em uma conta específica para gestão desse recurso.

Podemos observar que ambos os regimes atendem à sua demanda: preservar o patrimônio recebido e o objetivo de legar do seu avô.

Temos que ter a ciência de que nenhuma das comunhões retira o direito do seu marido no caso da sua falta. Com filhos ou sem, ele terá algum direito. Porém, a solução que você busca é para o desacordo na vigência do casamento. Estando vocês juntos, no caso de uma fatalidade, inexistiria o desacordo e permaneceriam vigentes os mesmos motivos que a levaram a escolhê-lo como seu parceiro: amor, cumplicidade etc.

Os conflitos são inerentes às relações humanas, só os têm quem se dispõe a conviver socialmente.

Espero tê-la ajudado a pensar no assunto, pois o tema tratado além de um contrato de direito de família com regras e regimes a serem entendidos, também pode ser considerado de foro íntimo.

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou do IBCPF. O jornal e o IBCPF não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 01 de junho de 2015.

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