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Regra de poupança merece revisão

Marcia Dessen, CFP®:

O conceito de arbitragem econômica coloca em equilíbrio os preços praticados no mercado. 

Um exemplo intuitivo que comprova a necessidade desse equilíbrio: suponha duas casas de câmbio negociando a mesma moeda, dólar, em duas cidades diferentes, São Paulo e Rio de Janeiro.

Ignorando custos, se a taxa de câmbio for R$ 4,00 em São Paulo e R$ 4,50 no Rio, poderíamos comprar a moeda em São Paulo, vender no Rio e colocar o lucro no bolso. Arbitragem pode ser entendida como a possibilidade de obter ganho fácil, sem correr risco.

A lei da oferta e da procura colocaria os preços em equilíbrio, e esse desiquilíbrio seria corrigido em pouco tempo. A pressão de compra em São Paulo (preço mais baixo) faria o preço subir, e a pressão de venda no Rio (preço mais alto) faria o preço cair, até que o mercado encontrasse o preço de equilíbrio onde a arbitragem deixasse de ser possível.

O conceito ajuda a entender o ponto para o qual quero chamar a atenção, o equilíbrio entre as taxas de juros praticadas no mercado de renda fixa.

Está lembrado dos planos de previdência antigos que asseguravam rentabilidade de IGP-M + 6% ao ano? Quando os juros de mercado caíram, era complicado que as seguradoras pagassem essa taxa quando não eram capazes de investir os recursos no mercado e obter rentabilidade semelhante para honrar a obrigação.

O produto foi descontinuado, deixou de ser comercializado há cerca de 20 anos, pois colocava em risco a solidez das seguradoras caso fosse mantido. 

Novos tipos de plano foram criados, os PGBL e VGBL comercializados atualmente, que repassam ao participante toda a rentabilidade obtida pelos ativos do fundo, sem, entretanto, assegurar nenhuma remuneração.

Outro exemplo, que atingiu milhões de poupadores. Em 2012, a Selic estava em queda. Os ativos de taxa pós-fixada pagavam, e pagam, a taxa de juros vigente. Uma aplicação de taxa prefixada, como a poupança antiga, que remunerava (e ainda remunera o saldo existente na época) TR + 6% ao ano de juros, isenta de custos e Imposto de Renda, tinha uma vantagem em relação às demais alternativas.

O governo tratou de reduzir a rentabilidade da poupança para 70% da Selic sempre que a taxa básica for igual ou inferior a 8,5%. Esse era o ponto de equilíbrio na época. Não é mais. Com a Selic de 4,5%, a poupança perde competitividade, rompe novamente o equilíbrio, agora no sentido contrário.

É fácil corrigir essa distorção e colocar os preços, e as taxas, novamente em equilíbrio: basta aumentar o percentual da taxa Selic, devolvendo o equilíbrio necessário.

Certamente a equipe econômica já pensou nisso, e, embora seja uma decisão complexa, que envolve outros fatores, pode ser tomada.

A política atual favorece de certa forma as instituições financeiras, com custo de captação barato, e pune os milhões de brasileiros que utilizam esse produto para investir suas economias, oferecendo remuneração pouco competitiva para os tempos atuais.

Quanto aos planos de previdência antigos que garantem rentabilidade de IGPM + 6% ao ano, quem ainda não transferiu para outros produtos, se rendendo aos apelos das seguradoras, deve manter e explorar essa oportunidade única, concedida somente aos participantes que compraram o produto no passado, de ganhar rendimento muito acima da taxa praticada no mercado, enquanto essa vantagem perdurar.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 27/01/2020.

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