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Trocar seis por meia dúzia

Marcia Dessen, CFP®:

A pergunta de Francisco, um leitor da Folha, inspirou o artigo desta semana.

“Tenho dinheiro em dois fundos de renda fixa há uns três anos, ambos de longo prazo, um prefixado e outro atrelado à inflação. Rendiam mais do que a Selic até a pandemia, mas em 2021 acumulam perda de 3% cada um. Estou pensando em resgatar uma parte, com perda, é claro, e aplicar em Tesouro Prefixado 2024 com juros de 9% e IPCA 2026 com juros de 4,3%. Vale a pena?”

Se Francisco fizer o que está pensando fazer, trocará seis por meia dúzia, comprará ativos que ele já tem, via fundos de investimentos, com a remuneração atual de mercado.

A rentabilidade negativa em 2021 comprova que o fundo já fez o que ele está pensando fazer. O administrador marcou a mercado os ativos da carteira, ajustando os preços dos ativos ao novo valor de mercado, como se tivessem sido comprados na data em que a marcação foi feita.

Trata-se de um procedimento obrigatório que altera diariamente o valor da cota dos fundos, para cima ou para baixo, refletindo os novos preços e taxas praticados no mercado. A rentabilidade foi negativa porque o preço dos títulos de taxa prefixada cai quando a taxa de juros sobe, como aconteceu no período reportado.

A marcação a mercado dos ativos dos fundos é feita por duas razões: 1) para pagar resgates solicitados pelos atuais cotistas do fundo, o administrador será obrigado a vender os ativos da carteira, ao preço que o mercado estiver disposto a pagar; e 2) para atrair novos cotistas, ou evitar que os atuais cotistas resgatem suas cotas em busca de melhor retorno, o fundo deve oferecer rentabilidade compatível com os novos parâmetros de mercado.

Portanto, em tese, o gestor do fundo já fez o movimento que Francisco está pensando fazer. A diferença é que ele se refere a dois títulos específicos, e os fundos, cada qual de acordo com a política de investimento, investem em diversos ativos, semelhantes aos mencionados.

O entendimento da precificação dos títulos de taxa prefixada não é um tema de fácil compreensão. Provavelmente, por causa de uma percepção equivocada de que o investidor compra uma taxa de juros prefixada. Na verdade, o que se compra é um título com valor de resgate prefixado, devido na data do vencimento.

Para calcular o valor antes do vencimento, o mercado desconta o valor de resgate, utilizando a taxa de juros atual de mercado e o prazo a decorrer até o vencimento. A taxa pela qual o título foi comprado no passado e o prazo decorrido em poder do antigo investidor não são relevantes para determinar o seu valor.

Os fundos mencionados por Francisco compraram ativos com taxas menores, válidas no período em que foram adquiridos. Vamos supor títulos de taxa prefixada a 5% ao ano e títulos que pagam IPCA mais juros de 3,6% ao ano.

O mercado mudou, a remuneração de ambos os títulos aumentou em razão dos impactos econômicos provocados pela pandemia. O mercado paga agora taxa prefixada de 9% e juros de 4,30% nos títulos corrigidos pelo IPCA.

O administrador marca a mercado, um mecanismo contábil que simula a venda de toda a carteira antiga por um preço inferior ao de compra, fato que explica a variação negativa acumulada em 2021, e a compra de títulos com a nova remuneração, maior do que a anterior. Assim, a rentabilidade futura do fundo tende a ser equivalente à oferecida pelos títulos disponíveis no mercado.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 23/08/2021.

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