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União estável, na vida e na morte

Marcia Dessen, CFP®:

Após alguns anos de relacionamento, Alberto e Maria decidiram formalizar sua união. Ambos na faixa dos 60 anos, divorciados, com filhos de relacionamentos anteriores e patrimônio considerável, tinham a preocupação de preservar os bens para seus próprios descendentes.

Por esse motivo, optaram por formalizar a união estável pelo regime da separação de bens, no qual o patrimônio dos companheiros não se comunica. Assim, em eventual separação, não haveria partilha: o patrimônio de cada um continuaria sendo apenas de sua propriedade.

No entanto, ficaram surpresos com o fato de que, apesar de terem optado pelo regime da separação de bens, na sucessão de bens pela morte de um deles, o companheiro sobrevivente terá direito à herança concorrendo com os filhos do falecido.

Conversei com a advogada Luciana Pantaroto, CFP®, como sempre faço quando o assunto trata de aspectos legais. Ela explica que, até 2017, ao contrário dos cônjuges, os companheiros não figuravam entre os herdeiros necessários e, em alguns casos, tinham direito a percentuais menores da herança.

A parte legítima da herança, metade dos bens da herança, será obrigatoriamente destinada aos herdeiros necessários, o cônjuge, descendentes e ascendentes, nas proporções previstas em lei, e só podem ser deserdados em casos previstos em lei. A outra metade do patrimônio, chamada de disponível, pode ser destinada livremente.

Em 2017, o STF equiparou companheiros aos cônjuges para fins sucessórios, inclusive em uniões homoafetivas. Os companheiros passaram a ter direito aos mesmos percentuais atribuídos aos cônjuges; em decorrência dessa decisão, o entendimento predominante é o de que também passaram a ser herdeiros necessários.

Assim, de acordo com as regras atuais, se Alberto morrer primeiro, seu patrimônio será partilhado entre seus dois filhos e Maria, um terço para cada um. Como a companheira é uma herdeira necessária, não será possível excluí-la integralmente da sucessão.

Explorando as opções de planejamento sucessório disponíveis, optaram por deixar um testamento estabelecendo que a metade disponível do patrimônio deveria ser destinada apenas aos seus filhos. Na prática, a decisão reduz pela metade o percentual do companheiro sobrevivente, que passa de 33% para 16% da herança.

Pensaram em renunciar à herança do companheiro, mas, como não é permitido renunciar à herança de pessoas vivas, essa alternativa foi descartada. Decidiram e combinaram, informalmente, que pretendem renunciar à herança do outro na ocasião do inventário.

Outro caso interessante é o de Pedro e Carlos. Eles viviam juntos havia oito anos e tinham planos de adotar um filho. Após a morte repentina de Carlos, seus pais, que não aceitavam o relacionamento homoafetivo, entendiam que seriam seus únicos herdeiros.

No entanto, apesar de não terem formalizado a união estável, o relacionamento de Pedro e Carlos preenchia todos os requisitos legais para configurá-lo como tal: convivência pública, contínua e duradoura com objetivo de constituir família.

A união estável foi reconhecida após o falecimento de Carlos e seu companheiro, reconhecido como seu herdeiro, tendo direito a metade dos bens adquiridos onerosamente durante a união e a um terço dos bens particulares de Carlos; o restante foi herdado pelos pais de Carlos.

Esses dois casos fictícios ilustram como as regras de sucessão aplicáveis à união estável ainda são desconhecidas por grande parte da população. Conhecimento e planejamento podem evitar surpresas e conflitos no momento do inventário.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 07/02/2022.

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