Consultório Financeiro

É possível planejar as finanças sem se surpreender?

Como é possível planejar as finanças se até os entendidos no assunto parecem se surpreender com os acontecimentos, tal como parece ter ocorrido com a decisão do Copom de reduzir a taxa básica de juros no fim de agosto? (F.G.T.)

Marcelo Henriques de Brito, CFP®:

Sua pergunta associa o intricado relacionamento entre planejar e prever. É complexo sempre prognosticar corretamente devido a vários fatores, entre os quais a usual primazia das emoções de um indivíduo, a possível irracionalidade de grupos coesos e até as polêmicas deliberações de governos ao regular o funcionamento de mercados. Por isso, as avaliações em finanças não devem se limitar a cálculos matemáticos, sendo essencial empregar conhecimentos oriundos de ciências humanas, políticas e sociais, tais como psicologia e direito.

Com tal visão abrangente, a atividade de planejamento consiste em elaborar cenários, estimar probabilidades das ocorrências e diversificar atitudes a fim de minimizar as ameaças de perdas, inferindo a possibilidade de aproveitar oportunidades que podem surgir de forma inesperada para a maioria.

Ocorre que nem todo mundo deve ter se surpreendido com a decisão do Banco Central de reduzir a taxa de juros básica em 0,50 ponto porcentual em 31 de agosto de 2011. A reunião do Copom acolheu de fato uma expectativa do mercado financeiro, que indicava de forma objetiva a queda da taxa de juros com a relevante “curva de juros”.

Tal curva, que é diariamente publicada há anos pelo Valor na página C2 do caderno de Finanças, foi explicitamente citada na ata da 161ª reunião do Copom (tópico 72). Ademais, além de declarações de membros do governo brasileiro, outras notícias e análises publicadas no Valor e interpretação das entrelinhas sinalizavam a possível queda da taxa de juros básica, apesar de a inflação estar subindo.

Vale ressaltar que ocorreu precisamente o inverso em 20 de outubro de 2004, quando o Copom elevou a Selic em 0,5 ponto percentual, embora os índices de inflação na época tivessem caído mais do que o esperado. Ademais, a Selic continuou a subir, com acréscimos de 0,5 ponto durante seis meses consecutivos, até um pico em maio de 2005. Ao longo daquele período ocorreu uma elevação contínua do IPCA.

Além disso, usando longas sequências de dados entre julho de 1999 e julho de 2011 para o IPCA e para o spread entre a Selic e os juros dos EUA, determina-se um coeficiente de correlação de 0,87. Isso demonstra que juros são ajustados para atrair e reter capitais externos e que a inflação segue a mesma direção da taxa de juros, a qual de fato é apenas mais um ‘tipo de preço’ chamado custo do capital. Tal fato corrobora o porquê de o Banco Central ter finalmente deixado de mencionar a inflação ao anunciar o recente corte de juros.

A mudança na argumentação do Copom fomenta o debate sobre até que ponto declarações do governo serviriam para orientar um planejamento financeiro eficaz. Cabe registrar que os membros do Copom não têm sempre os meios de prever o futuro de forma acertada por também serem pessoas com suas imperfeições e idiossincrasias. Ademais, o Copom precisa evitar uma profecia autorrealizável prejudicial ao funcionamento do mercado.

Compreensivelmente, a ata do Copom é muito longa, enfadonha, cheia de detalhes, e não enfatiza de forma clara os motivos essenciais de uma simples decisão, o que gera controvérsia. Todavia, são precisamente interesses e expectativas diferentes e divergentes que viabilizam as transações.

Nesse contexto, enquanto prever requer conhecimento, talento e sorte, planejar requer aplicar o alerta de Sêneca, “Se um homem não sabe qual porto almeja, nenhum vento lhe é favorável”, com a flexibilidade do ditado dos navegantes, “Não se pode mudar a direção dos ventos, mas podemos ajustar a posição das velas”.

Marcelo Henriques de Brito é Planejador Financeiro Pessoal e possui a Certificação CFP® (Certified Financial Planner) concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para : [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 26 de setembro de 2011.

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