Pandemia e economia

Além de um choque de demanda, o mundo vai sentir um choque de oferta com a pandemia do Covid-19. Em relação ao Brasil, o professor de Economia Internacional e Economia Chinesa do Insper, Roberto Dumas Damas, avalia que 2020 será um ano perdido, com queda entre 1,8% e 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Em entrevista para a CFP® Professional Magazine, o professor explica que, além da produção parada em decorrência das medidas de isolamento e quarentena durante a pandemia do Covid-19, os desentendimentos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no Brasil assustam os investidores de fora e os locais. Também alerta que não adianta liberar crédito para as pequenas e médias empresas sem garantia do Banco Central ou do Tesouro para as instituições que concedem os empréstimos. Veja abaixo a íntegra da entrevista.



CFP® Magazine: Na sua avaliação, há exagero na reação dos mercados financeiros ao surto de coronavírus?

Roberto: Todos os países estão apanhando com a pandemia do coronavírus: China, Itália, França, Espanha, Estados Unidos, Brasil, entre outros. Alguns vão entrar em recessão. A União Europeia, depois da China, é o segundo maior consumidor de exportação do Brasil. Em terceiro lugar, ficam os Estados Unidos, que crescerão menos em 2020. O quarto é a Argentina.

Com produção parada diante do isolamento das pessoas contra o vírus, todos ficam prejudicados. Alguns, mais e outros, menos. Importante ressaltar que os motores do crescimento econômico são: consumo, investimento (público e privado) e exportação. E, dependendo dessas variáveis para cada país, o mercado financeiro antecipa o que acontecerá lá na frente.

Em relação ao Brasil, os empresários vão analisar se conseguirão importar peças para a continuidade da produção. Diferentes setores são afetados, como autopeças, montadoras, telecomunicações, tecnologia da informação, farmacêutico, entre outros. Há uma combinação de choque de demanda e de oferta. Alguns segmentos econômicos não vão crescer com a falta de equipamentos e insumos.

“Os motores do crescimento econômico são: consumo, investimento (público e privado) e exportação.”

Roberto Dumas Damas

CFP® Magazine: Qual a expectativa do efeito do coronavírus na economia brasileira, principalmente após a divulgação do PIB de 2019 abaixo das expectativas?

Roberto:
 Sem dúvida, 2020 será um ano perdido, com queda entre 1,8% e 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Mesmo com a distribuição de R$ 600,00 para a população com trabalho informal ou autônomo, a iniciativa não é suficiente para o trabalhador comprar o habitual de antes, quando estava na ativa.
Também não adianta anunciar crédito para pequenas e médias empresas sem dar liquidez ao banco, sem apetite de risco para emprestar recursos para esse segmento. Como banco, não quero emprestar dinheiro sabendo que a empresa está praticamente falida. Para quem a empresa vai vender produto? Nessa condição, o custo do empréstimo vai às alturas.
O mercado precisa de alguém para assumir o risco que os bancos, com razão, não estão dispostos a correr. É necessário ter garantia do governo para que, caso a empresa não pague o dinheiro emprestado, o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ou o Tesouro pague o empréstimo.



CFP® Magazine: Até que ponto o embate entre Executivo e Legislativo pode prejudicar a economia brasileira?

Roberto: Empresário gosta de estabilidade. Empresário quer ver o ambiente de negócios estável. Na prática, os desentendimentos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no Brasil, assustam o investidor de fora e o local, que interrompe o investimento na formação bruta de capital. As rusgas entre os poderes contribuem para piorar as contas públicas do país.



CFP® Magazine: Qual é a sua avaliação sobre as medidas do governo americano, com a injeção de US$ 2 trilhões na economia?

Roberto: O Federal Reserve quis dar liquidez prioritariamente para os bancos. O Federal Reserve entrou comprando quase US$ 1 trilhão de treasuries num momento em que, por incrível que pareça, ninguém queria comprar treasuries. Como assim? Muitos dos ativos que faziam parte da carteira dos bancos sofreram downgrade, demandando consequentemente mais capital. Vale destacar que os bancos já estavam estressados em relação ao capital desde o ano passado; o bid/ask dos treasuries nunca ficou tão alto. Na outra ponta, o Fed comprou diretamente títulos privados (commercial papers), tanto no mercado primário quanto no secundário, lembrando que as emissoras devem ser empresas abertas (de médio e grande porte). Essa operação injeta caixa nas empresas sem precisar da intermediação de um banco, que talvez neste momento não tenha apetite de risco para emprestar recursos.

“Diante do risco do coronavírus, mesmo que a população tenha mais dinheiro nas mãos, será que vai consumir mais? Essa é a grande dúvida.”

Roberto Dumas Damas

CFP® Magazine: O que é “quantitative easing” e qual sua relação com a quantidade de moeda emcirculação, o crescimento econômico e o risco inflacionário?

Roberto:
 No passado, a iniciativa do “quantitative easing” foi adotada pelo Banco Central Europeu e também no Japão e nos Estados Unidos, funcionando bem na crise de 2008. Naquela época, faltava liquidez no mercado.

Quantitative easing”, na prática, seria “criar moedas”. Quando a taxa de juro está próxima de zero, o governo coloca dinheiro no mercado para ver se o consumo aumenta. Para isso, o balanço patrimonial precisa compensar ativo com o passivo. Partindo do suposto de que a moeda do Banco Central seja o passivo, para aumentá-lo este faz crescer o ativo, comprando títulos. Assim, promove a “chuva de dinheiro” para a população consumir mais.

Diante do risco do coronavírus, mesmo que a população tenha mais dinheiro nas mãos, será que vai consumir mais? Essa é a grande dúvida. O temor da pandemia, de ficar doente, tem impedido as pessoas de saírem de casa. E, mesmo usando o dinheiro para investimentos, a pergunta que se faz é: “O que eu produzir será comprado?”. “Para quem vou vender minha produção”? Neste momento, o incentivo à liquidez não eliminaria o risco da pandemia. Por isso, há questionamentos sobre a eficácia do “quantitative easing” neste caso.



CFP® Magazine: Como você analisa a atuação do Banco Central no mercado de câmbio?

Roberto: Quando o Banco Central entra vendendo reservas, ele apenas ameniza a volatilidade do câmbio porque, na prática, os fundamentos da economia não são alterados. O investidor externo quer mais retorno, taxa mais alta para continuar aqui. Mas o país tem uma meta e não aumenta a taxa de juro. Infelizmente, se o investidor não for embora do Brasil hoje, irá amanhã.

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