Tentação e postura ética

A certificação CFP® representa um selo de distinção, qualificando os profissionais certificados cuja função principal é orientar com coerência, ética e responsabilidade pessoas e famílias na condução de suas finanças pessoais. Somos exigidos em experiência e constante aperfeiçoamento para que possamos proporcionar, com isso, uma prestação de serviço idônea e profissional. Além disso, a Planejar mantém um Código de Ética que estabelece princípios e regras que devem ser observados por todos os Associados na condução de suas atividades.

Sabemos que é um desafio muito grande agir de acordo com a ética; as “provações” são inúmeras e se reinventam. Vamos ver alguns casos?

1.


Andreia é diretora de uma empresa de logística internacional, tem 54 anos e mal tem tempo de analisar os resultados de sua carteira de investimentos. É divorciada e tem três filhos dependentes dela. Andreia viaja muito e reunir-se com sua planejadora financeira, Cristina, é uma missão quase impossível. Quando lhe sobra algum tempo, ela abre o seu relatório mensal com a carteira de investimentos, mas não se dedica a avaliar quais investimentos estão com performance melhor ou quais foram os detratores de rentabilidade, tampouco a analisar o que aconteceu no mercado financeiro para que as rentabilidades tivessem determinado nível. O que lhe importa é o resultado consolidado.

Quando da abertura do relacionamento com sua planejadora financeira, há menos de dois anos, Andreia preencheu um formulário de suitability, no qual o resultado obtido foi um perfil conservador. Seus investimentos se concentravam em renda fixa pós-fixada e uma pequena parcela em
prefixada. Como boa parte dos investidores brasileiros, estava acostumada a rentabilidades acima de 1% ao mês. Agora, sua rentabilidade gira em torno de 0,50% e 0,60% ao mês. Andreia já passou dois e-mails reclamando dessa performance.

Cristina tentou, inúmeras vezes, agendar uma reunião com Andreia, que apenas responde aos e-mails ameaçando trocar de planejadora financeira, creditando à Cristina os resultados que acredita serem insignificantes em seus investimentos. Cristina, impossibilitada de um contato pessoal, escreve uma verdadeira tese explicando a necessidade de se encontrarem, de entender o momento pessoal e profissional de sua cliente, de explicar o novo mundo com taxa Selic baixa, bem como de rever a questão do perfil de investimento preenchido pouco tempo atrás. Andreia apenas responde: “Favor achar um jeito de meus investimentos renderem mais”.

Cristina cai em tentação: resolve apimentar os investimentos de Andreia a despeito das particularidades da cliente quanto ao número de filhos, estado civil e idade. Preenche, em nome da cliente, um novo formulário de perfil de investimentos com a possibilidade de alocar em fundos multimercado e fundos de renda variável. Encaminha o formulário e o termo de adesão a quatro novos fundos para que Andreia assine. Andreia não faz ideia do tipo de risco em que está incorrendo, mas acredita que, diante da pressão que fez, deve ter incremento nos seus resultados, ou seja, que Cristina vai buscar maior retorno em seus investimentos. Andreia assina os documentos e Cristina faz as movimentações pretendidas.

Quais princípios e regras foram infringidas por Cristina? Vamos citar alguns:

Integridade: o código de conduta estabelece que o Profissional CFP® deverá fazer e/ou implementar recomendações adequadas (suitability) a seu cliente, de forma honesta, íntegra e transparente;

Objetividade: o Profissional CFP® deverá tomar as medidas razoáveis e necessárias para garantir que o cliente compreenda as recomendações de planejamento financeiro apresentadas e possa tomar decisões de maneira consciente;

Profissionalismo: o Profissional CFP® deverá realizar os serviços
profissionais observando as leis, regras, códigos e normas aplicáveis a sua atividade e em conformidade com o Código de Ética.

Diligência: o Profissional CFP® deverá exercer juízo razoável e prudente ao fornecer serviços profissionais.

2.


Vamos ver outro caso bastante tentador ao planejador financeiro, já que ninguém gosta de perder um cliente: João Fábio é acionista majoritário e CFO (Chief Financial Officer) de uma empresa de pequeno porte, responsável pelas finanças da empresa e por informações aos investidores, bem como pelo controle dos recursos financeiros, seus fluxos e resultados, além de dirigir os investimentos.

É sócio de uma hípica frequentada por alguns empresários e diretores de companhias com ações listadas em bolsa. Com alguma frequência, em conversas informais, ele acaba por conhecer detalhes de alguns negócios que, quando divulgados, terminam impactando diretamente o preço das ações dessas companhias. João Fábio é casado com Maria Eduarda, com quem tem gêmeos de 20 anos; um deles estuda na NYU (New York University) e o outro mora com os pais e pretende seguir carreira de pugilista, mas se interessa muito pelos negócios do pai.

João Fabio e Maria Eduarda gastam, aproximadamente, um milhão por ano. O casal formou uma carteira de investimentos ao redor de R$ 15 milhões. João Fábio planeja se aposentar em, aproximadamente, doze anos. Já Maria Eduarda quer dedicar-se a projetos filantrópicos, com quase nenhuma remuneração. Hoje eles têm, ambos, 54 anos. Maria Eduarda gostaria de ter um apartamento em East Village, bairro de Manhattan, para ficar perto do filho, mas João Fábio, consciente de que a situação financeira de sua esposa, os gastos já contratados e a pretensão de imóvel no exterior irão demandar um aumento do patrimônio líquido da família, é contra a ideia.

Na hípica, dividindo suas preocupações com um amigo, foi incentivado a procurar um planejador financeiro para ajudá-lo, inicialmente, a buscar maior retorno sobre seus investimentos. Como tem acesso a informações privilegiadas de amigos e conhecidos, acredita que pode se beneficiar de um incremento geral nos seus rendimentos nas alocações de renda variável.

Sabemos que o Profissional CFP® deve realizar os serviços profissionais observando as leis, regras, códigos e normas aplicáveis a sua atividade, conforme as regras relacionadas ao Princípio da Conduta Profissional. Nessa situação, qual a postura o planejador contratado deve adotar?

O artigo 27-D da Lei 6.385/1976, que disciplina o mercado de capitais, estabelece ser crime o uso indevido de informação privilegiada: “utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários”.

Valores mobiliários, de acordo com o artigo 2º dessa lei, são ações, debêntures e bônus de subscrição (inciso I); cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos a valores mobiliários (inciso II); certificados de depósito de valores mobiliários (inciso III); cédulas de debêntures; (inciso IV); cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos (inciso V); notas comerciais (inciso VI); contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários (inciso VII); e outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes
(inciso VIII).

Sendo o planejador financeiro apenas o receptador dessas informações, ele incorre no crime de insider trading?

Sabemos que negociar ações a partir de informações privilegiadas, com algum indício de favorecimento, é crime. No caso de João Fábio, a obrigação do planejador financeiro contratado é alertar seu cliente para os riscos e penalizações envolvidos, e ir contra essas negociações. O planejador financeiro deverá esclarecer que o uso de informação privilegiada é crime e que ele deve evitar comprar e vender ações das companhias nas quais seus amigos e conhecidos são diretores. Se, mesmo depois do alerta, João Fábio se posicionar no sentido de que os órgãos reguladores não terão como rastrear suas compras e vendas, desacreditando na eficácia das instituições que fiscalizam o mercado, a orientação do Profissional CFP® deve ser firme no sentido de que seu cliente não invista nessas ações ou, diante de relutância na decisão de João Fábio, que deixe de atender o cliente. É uma difícil decisão, mais uma tentação, mas é a forma de agir de forma sábia e ética.

Sempre importante ressaltar que a Planejar, em especial o Conselho de Normas Éticas, atua para que o planejador financeiro tenha todo o respaldo para cumprir sua missão de prover ferramentas para que as famílias possam se organizar financeiramente e, assim, atingir seus objetivos.

A preservação da integridade do planejador financeiro permeia todo o trabalho do Conselho. A excelência, representada pela certificação, passa por várias perguntas sobre o tema ética. Por fim, o engajamento dos associados na indicação e avaliação de casos apoia a atualização constante e o fortalecimento da imagem ética do Profissional CFP®.

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