Consultório Financeiro

A busca pela independência financeira

Tenho 30 anos e ouvi de um especialista que posso alcançar a independência financeira e viver de renda antes dos 50 anos. Como faço para isso acontecer?

Jaques Cohen, CFP, responde:

Caro leitor,

Em primeiro lugar agradeço o contato feito. Falar de independência financeira com seriedade é importante, mas por vezes requer frustrar um pouco aqueles que nos leem. Em muitas ocasiões, o tema que você traz é tratado de forma superficial para estimular a fantasia de uma vida sem obrigações e desprazer.

A primeira pergunta a ser respondida aqui é “quanto preciso para viver com meu núcleo familiar?”. Esse valor vai variar de acordo com o seu estilo e momento de vida.

Digamos que precise de R$ 200 mil por ano. O próximo passo é saber quanto deveria ter investido para obter essa renda somente com juros.

A taxa Selic, hoje em 14,25% ao ano, é referência para aplicações de renda fixa, mas existem boas opções nessa categoria e podemos falar em 15,5%. São os chamados juros nominais, que desconsideram a inflação: cerca de 10,5% que vão apenas manter o seu poder de compra. Ainda assim, os juros reais no Brasil são os mais altos do mundo e na aplicação sugerida resultam 4,5%. Como os impostos recaem sobre os rendimentos nominais, os juros reais líquidos de IR chegariam a 2,42% ao ano – podendo cair para 1,37%, conforme os prazos da tabela regressiva de IR.

Objeções podem ser feitas ao cálculo citando títulos públicos que têm pagado inflação + 6% ou títulos privados livres de IR. Mas, a longo prazo, a tendência é que os juros desses títulos se ajustem e a cobrança de IR passe a ser mais equânime entre as opções de renda fixa. Mesmo assim, simulemos 3%.

Com esta taxa, hoje o valor para perpetuar o patrimônio e obter R$ 200 mil por ano apenas com rendimentos reais seria de R$ 6,66 milhões. Daqui a 20 anos, quando você completar 50 anos, precisaria do equivalente a tal, corrigido pela inflação.

Mesmo que aceite queimar reservas, o valor para parar tão cedo, e seguir até possivelmente os cem anos, ainda seria maior do que R$ 5 milhões.

Apesar do pano de fundo matemático, a questão que nos traz não deixa de ter um cunho filosófico e emocional: o que é independência financeira? Porque a buscamos? É possível traçar um plano que não contemple limites?

A professora Vera Rita de Mello Ferreira, referência em psicologia econômica no Brasil, cita o psicanalista Wilfred Bion para questionar conclusões aparentemente racionais. “A razão é escrava da emoção e existe para racionalizar a experiência emocional.” Outros filósofos já haviam seguido linha semelhante. David Hume, no século XVIII, pontuava que “A razão é, e só pode ser, escrava das paixões”.

Transportemos isso ao nosso assunto: o que incomoda na rotina de quem busca viver só de juros? Esse incômodo tem solução? Cada rotina e resposta são singulares.

De um lado, é preciso tomar cuidado com a ideia de viver sem angústia ou desprazer algum e com a fantasia do ganho fácil enraizada na nossa cultura. A própria expressão “ganhar dinheiro” é reveladora: salvo raras exceções, dinheiro não se ganha; se constrói.

De outro lado, é relevante buscar sentido e prazer nas atividades do dia a dia e caminhar na direção de não depender de uma rotina que cause mal-estar patológico ou que esteja desalinhada dos nossos valores.

Porém, isso não precisa ser feito considerando-se inválido após certa idade. Diante dos limites da realidade externa, soluções combinadas ou planos para viver parcialmente de renda podem ser uma alternativa. Um planejador financeiro pessoal pode te ajudar a destrinchar alguns cenários possíveis.

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 25 de abril de 2016.

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