Consultório Financeiro

A herança dos filhos após novo casamento

Tenho 48 anos, sou divorciada e tenho um filho. Pretendo me casar em breve com um homem divorciado que tem dois filhos. Tanto eu quanto meu futuro marido temos um patrimônio construído ao longo da vida. Se nos casarmos com separação total de bens, a herança de nossos filhos estará protegida?

Carlos Rogério Thomé, CFP, com a colaboração de Ana Claudia Akie Utumi, CFP:

O Código Civil Brasileiro prevê quatro regimes de bens que podem ser livremente escolhidos pelos cônjuges. São eles:


1) Comunhão parcial:
regime imposto por lei, caso não haja manifestação dos nubentes quanto ao regime pretendido. Neste caso, de forma geral, os bens adquiridos onerosamente durante o casamento pertencem a ambos os cônjuges, i.e., são comunicáveis (salvo exceções dos bens incomunicáveis por lei);


2) Comunhão universal:
comunicam-se tanto os bens anteriores ao casamento quanto os adquiridos durante o casamento, inclusive dívidas de ambos (salvo exceções previstas em lei);


3) Participação final nos aquestos:
os bens, adquiridos antes ou durante o casamento, não se comunicam, assemelhando-se ao regime de separação de bens, no qual cada cônjuge possui seu patrimônio próprio, e dele pode dispor como lhe aprouver. Porém, com a dissolução do casamento, cada cônjuge terá direito a uma participação nestes bens conforme sua parcela de contribuição na aquisição dos mesmos;


4) Separação:
os bens não se comunicam, quer tenham sido adquiridos antes ou durante o casamento, mantendo cada cônjuge poder total para administrar seu patrimônio.

Este último é o regime escolhido pela leitora (Separação total ou convencional) e que, em alguns casos previstos em lei, pode ser obrigatório (Separação obrigatória).

Sob o regime de Separação total, ocorrendo a dissolução do casamento por separação, os cônjuges conservam para si a propriedade integral de seus bens particulares, conforme pretende a leitora.

No entanto, havendo a dissolução do casamento por morte, o cônjuge sobrevivente é herdeiro também. Neste caso, o Código Civil de 2002 (Art. 1829) estabelece que o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido possuem direitos iguais na herança deste. Esta determinação poderia frustrar as intenções da leitora e de seu futuro marido de deixarem seus bens por herança exclusivamente a seus descendentes uma vez que, herdados pelo cônjuge sobrevivente, os bens seriam futuramente transferidos aos sucessores deste e não aos do falecido, como pretendido.

Note que, à exceção do regime de Comunhão parcial, todos os outros regimes devem ser precedidos por um pacto antenupcial. Trata-se de um contrato firmado entre os nubentes, feito por escritura pública, por meio do qual as partes estipulam voluntariamente as regras que conduzirão o regime de bens escolhido (Art. 1639 do Código Civil de 2002), desde que não violem disposição absoluta de lei (Art. 1655 do Código Civil de 2002).

Pelo pacto antenupcial, os futuros cônjuges podem, se assim o desejarem, convencionar a incomunicabilidade de todos os bens adquiridos por eles antes e durante o casamento, inclusive frutos e rendimentos, preservando a sucessão de seu patrimônio exclusivamente aos seus descendentes.

Para se evitar que o cônjuge sobrevivente se torne herdeiro de bens adquiridos antes do casamento, o ideal seria que as partes considerassem, ao invés do casamento, a união estável, que pode ser regulada por contrato.

A companheira ou o companheiro não é herdeiro necessário em caso de falecimento, exceto em relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Em relação a esses bens, como determina o Art. 1790 do Código Civil, a companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; 

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Com a união estável e a regulação por contrato, a companheira ou companheiro sobrevivente apenas herdarão parte dos bens adquiridos durante a união estável, ficando reservados aos seus respectivos filhos os bens adquiridos antes desse período. Cabe ainda lembrar que, tanto no caso de casamento quanto no de união estável, cada um pode elaborar testamento para determinar a destinação de até 50% de seu patrimônio, que é a parcela dita “disponível”.

Carlos Rogério Thomé é Planejador Financeiro Pessoal e possui a Certificação CFP (Certified Financial Planner) concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros.

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 20 de maio de 2013.

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