As lições da vida, como ela é
Marcia Dessen, CFP®:
Tenho provocado reflexões sobre a importância de planejar a vida antes das finanças. Recebi diversas manifestações e compartilho duas delas, que relatam experiências de vida, com desfechos distintos, que comprovam a importância desse planejamento.
Marcia relata sentir-se privilegiada, como se tivesse ganhado, sozinha, todos os prêmios da loteria. Seus pais, anos à frente da geração deles, cultos e com revolucionária visão de mundo, a educaram para conquistar sua autonomia e exercer a cidadania na plenitude.
Desde criança, já conversavam sobre a vida universitária e a importância de lastrear a velhice com planejamento de longo prazo e com poupança.
Ela comenta que os pais transmitiram valores incomuns àquela época. Ao completar seis anos, em 1951, foi presenteada com uma boneca negra. Observa, com perplexidade, o preconceito racial, ainda presente, e o atraso na discussão do assunto na sociedade.
Relata que não acumulou uma fortuna com o parco salário que recebeu como professora, mas leva a vida da melhor maneira possível. Segundo ela, dois investimentos foram essenciais e proporcionam rendimentos muito além dos oferecidos pelo mercado financeiro: décadas de estudo e anos de divã.
Despede-se afirmando que os pais ficariam orgulhosos de vê-la bem, sozinha, em clausura pandêmica, administrando integralmente a vida, lúcida e convivendo de forma harmoniosa consigo mesma.
A história de Ricardo é distinta e menos feliz. Segundo ele, no Brasil, principalmente nas remotas décadas do século passado, os pais e a maioria das escolas não tinham quase nenhuma preocupação em ensinar aos filhos e aos estudantes princípios básicos de economia e como lidar com o dinheiro.
Ele se refere aos filhos e estudantes das famílias de classe média, já que os muito pobres carecem de escolaridade, um enorme problema que o país ainda não foi capaz de resolver.
Ricardo nasceu em 1940 e nos conta que sempre teve enorme dificuldade em aprender matemática. Tinha terror, pânico dessa disciplina. Nas artes, literatura, história e geografia, sempre demonstrou maior interesse. Agora, aos 80 anos de idade, sofre as consequências do desinteresse pela matemática e confessa ser péssimo em cálculos.
Graduado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, habilitado em relações públicas, com vários cursos de extensão na área de turismo, optou por trabalhar na área acadêmica.
Lecionou durante 22 anos em faculdades e universidades da iniciativa privada, sempre no período noturno. Trabalhou durante o dia também, em jornada dupla, antes e depois de graduado, em empresas públicas e privadas, até sua aposentadoria
Aos 60 anos de idade foi demitido do último emprego em faculdade. Nunca mais conseguiu nenhum outro emprego.
Ele relata que nunca teve salário fixo no magistério, a grande maioria dos professores ganha por hora/aula. A quantidade de horas de trabalho podia mudar, quase sempre para menos, em razão do número de alunos. As áreas nas quais lecionava, apesar de importantes, sofriam de um sério problema de evasão.
Aposentado, depara-se com a necessidade de continuar vivendo com apenas três salários mínimos, passando por privações econômicas.
Finaliza o relato dizendo que, apesar de tudo, tem sorte. É um idoso saudável, faz ginástica diariamente, mas sofre de doença financeira.
E você, que história de vida quer contar?
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 01/02/2021