Consultório Financeiro

Como equilibrar o portfólio de acordo com o perfil?

“Mesmo contrariando meu perfil, investi 40% em fundos de ações, os quais caíram muito e em alguns casos até estão negativos em relação ao capital inicial aplicado. Bem, estou muito desanimado, como já era de se esperar. Agora, com a Selic a 2,25% e a perspectiva de cair mais ainda, pergunto: para o perfil conservador, compensaria retirar metade desse capital e somar aos meus CDBs como complemento para adquirir um imóvel com perfil para locação em uma cidade com bom potencial de valorização? Penso nisso como forma de proteger parte do meu capital contra possível recessão na economia que está por vir, na minha opinião.”

Marcelo Melich, CFP®, responde:

Na administração do patrimônio pessoal, seja financeiro, seja imobiliário, uma das premissas básicas de investimento é o respeito ao perfil do investidor. Além da aversão (ou não) ao risco, avaliamos a capacidade de correr riscos. Chamamos esse processo, em inglês, de “suitability”, lembrando que essas características podem mudar ao longo do tempo. Logo no começo da sua pergunta, você mesmo tem a noção de que a proporção alocada em Renda Variável não é compatível com seu perfil “conservador”.

Ao decidir sobre investimentos, é preciso levar em consideração o momento de vida, quanto do patrimônio já está imobilizado, qual a renda prevista disponível, qual o padrão de consumo desejado. Investir está inserido num processo de planejamento financeiro alinhado aos objetivos de vida, e é uma consequência desse planejamento, não o seu fundamento inicial. Imprevistos e eventualidades precisam ser considerados. No mínimo seis meses de despesas mensais recorrentes devem estar alocados em aplicações de baixo risco, com liquidez imediata, constituindo primeiramente sua reserva de emergência.

Para aqueles com maior familiaridade com o mercado financeiro, diversificar é a melhor (se não a única) proteção de longo prazo. Não devemos “manter todos os ovos na mesma cesta” e a única certeza é que as crises virão. É prudente não embarcar em ondas de otimismo generalizado, nem entrar em desespero quando os momentos de baixa acontecem. Mais do que nunca, como estamos observando durante a pandemia da Covid-19, alterações súbitas na composição do portfólio podem ocasionar perdas permanentes ao investidor.

Por isso, devemos buscar equilibrar o portfólio, de acordo com o seu perfil, entre as classes de ativos disponíveis: Renda Fixa (que, dependendo do emissor, é considerada mais segura do que imóveis), Renda Variável e ativos imobilizados, como aventado. Nesse sentido, é fundamental saber se o leitor já possui algum imóvel ou não, e qual porção do patrimônio total isso representa. Entendido isso, vale ressaltar que existem opções de investimento para a obtenção de renda e valorização por meio de Fundos Imobiliários, que não exigem a compra de um único ativo nessa modalidade e possuem maior liquidez que o bem físico.

Quanto aos fundos de ações, é importante frisar que o horizonte de valorização é de longo prazo. Ao investir em ações, estamos comprando pedaços de empresas, e não é razoável imaginar que esse retorno possa vir de imediato. Os fundos são geridos por administradores de carteiras que definem suas teses de investimentos, escolhendo aquelas companhias que podem gerar retorno superior de longo prazo. 

Seu ceticismo com relação à conjuntura do país não é descabido, porém o motivo alegado para uma saída do fundo de ações seria infundado. Com juros em suas mínimas históricas, as empresas podem ser beneficiadas pela redução dos custos de oportunidade para investir e gerar crescimento. Boa parte desse cenário já está “precificado” pelo mercado.

O desconforto pela exposição excessiva à Renda Variável tem mais a ver com a sua intolerância ao risco. Visando reduzir a parcela de investimentos mais voláteis, pode ser interessante buscar outras classes de ativos, desde que não se incorra na mesma concentração em excesso do seu patrimônio.

Mesmo que tenhamos fortes convicções sobre as expectativas econômicas do país, não é possível antecipar episódios como o que estamos vivendo atualmente e, portanto, diversificar é estar preparado para cenários de estresse, o que é primordial para o sucesso do investidor no longo prazo.

Marcelo Melich é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected].

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 05 de outubro de 2020

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