Consultório Financeiro

Como falar com os filhos sobre redução na renda familiar?

Saí do meu emprego e, com isso, tive uma diminuição significativa de renda. Como posso conscientizar meus filhos sobre a nova situação financeira da família?”

Karoline Cinti, CFP®, responde, com a colaboração de Fagner Marques:

Caro leitor, parabéns pela iniciativa. Falar de dinheiro não é fácil em nossa sociedade, até mesmo com as pessoas mais próximas de nós.

Como falar sobre algo que não ouvimos, nem em casa, nem nas escolas? Porém, essa conversa é importante.

A forma como lidamos e enxergamos o dinheiro reflete diretamente nas nossas relações. O primeiro ponto é assumir o seu papel nessa relação, o papo aqui tem que ser de pais para filhos.

Comecemos pelo significado. Entre os vários sentidos que o dinheiro pode ter, no nosso país, ele é usado como grande referência para definir se uma pessoa deu certo ou não.  Se tem dinheiro, houve sucesso; se não tem, falhou.

Por isso, antes de tratar o tema com seus filhos, você precisa se observar e entender o que está sentindo diante desse novo contexto de diminuição de renda. Todo sentimento esconde uma necessidade. E conflitos e sofrimentos surgem normalmente de necessidades não satisfeitas. Então, quais necessidades você imagina deixar de atender com essa situação?

Em um dos nossos atendimentos, os pais levantavam a questão de que não conseguiam economizar no lazer com os dois filhos, de oito e seis anos. Chamamos as crianças e propusemos para a família que cada um fosse responsável por decidir o lazer de um final de semana do mês.

Para a surpresa dos pais, os únicos dois finais de semana que geraram gastos financeiros foram os passeios escolhidos por eles próprios. Muitas vezes, o que está em jogo são as nossas necessidades, e não a dos nossos filhos.

Outro aspecto importante é você avaliar como estavam suas finanças antes desse novo quadro. Seu fluxo de caixa estava positivo? Havia flexibilidade no orçamento? Tinha reserva financeira?

Um erro comum é toda a renda ser tomada para manter o padrão de vida, sem espaços para criar poupanças e absorver imprevistos. Daí, quando acontecem eventos como esse, eles acabam evidenciando o que já não estava em ordem.

Emoção identificada, agora é hora de agir com a razão. De que tipo de nova situação financeira estamos falando? É algo temporário, momento de transição? Ou mais permanente? De quanto tempo estamos falando? A redução na renda impacta em quanto o orçamento? Serão necessários pequenos ajustes, talvez no mercado, vestuário, lazer? Ou precisará de mudanças estruturais, como mudar de casa, carro, escola? É preciso fazer conta e ter clareza dos números. Com a fotografia financeira desenhada, fica mais fácil começar um diálogo com a família e pedir ajuda.

A forma de abordar o assunto vai variar de acordo com a idade dos filhos. Os menores já são capazes de perceber que existe uma relação de troca entre o dinheiro e aquilo que se deseja. Os maiores, dependendo da disponibilidade, já conseguem fazer dinheiro, assumirem as próprias despesas e talvez contribuírem para uma conta menor da casa.

Não adianta esconder e manter um estilo de vida incompatível com a realidade. Dificilmente, o cônjuge e os filhos não percebem o que está acontecendo. O mais importante aqui é o exemplo: se as crianças percebem que todos estão se esforçando, elas também vão querer ser incluídas e participar.

De toda forma, vale lembrar que a autoridade é dos pais, são eles que devem definir o que querem proporcionar e transmitir para os filhos, dentro das suas prioridades, valores e também reais possibilidades.

A escassez, se por um lado traz a dor da escolha, por outro nos conecta com o que importa e é essencial para nós.

A educação dos filhos requer uma boa dose de amor e de frustração. Como diria Confúcio, “eduque seus filhos com um pouco de fome e um pouco de frio”.

Karoline Cinti é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 04 de fevereiro de 2019

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