Existe risco de confisco da poupança?
Preocupação é compreensível dado que, em um passado ainda na memória de muitos brasileiros, plano anunciado no dia seguinte à posse de Collor trouxe como uma de suas medidas o bloqueio de depósitos
Leonardo Abritta Mendes , CFP® responde:
Olá! Essa pergunta é muito comum de se ouvir de pessoas preocupadas com a proteção de suas economias, especialmente em momentos de transição de governos. Por um lado, essa preocupação torna-se compreensível dado que, em um passado ainda na memória de muitos brasileiros – o início da década de 1990 –, o Brasil era um país que sofria com hiperinflação e grande instabilidade monetária, passando por sucessivos e fracassados planos econômicos que não obtinham êxito em controlar a inflação e gerar crescimento econômico com estabilidade. Um deles, o chamado “Plano Collor”, anunciado no dia seguinte à posse daquele presidente, trouxe como uma de suas medidas o bloqueio de depósitos em contas-correntes e poupanças.
A tão almejada estabilidade e a queda da inflação foram alcançadas a partir de 1994 com a implementação do Plano Real. De acordo com o IBGE, que produz e divulga o IPCA, entre 1980 e 1994 o índice acumulado foi de 13.342.346.717.671,70%. Isso mesmo! Mais de 13 trilhões por cento em 15 anos. Desde então, apenas nos anos de 1995, 2002, 2015 e 2021 o IPCA apresentou acumulados anuais acima de 10%. E assim, o Brasil está há praticamente três décadas fora da hiperinflação e com a mesma moeda, algo impensável para o brasileiro que viveu na economia dos anos 1970 e 1980.
Além disso, hoje também há uma sólida proteção legal para os depósitos bancários. Existe desde 2001 uma Emenda Constitucional que dá proteção à poupança e a qualquer aplicação financeira contra confiscos ou bloqueios por iniciativa do Poder Executivo. É a Emenda Constitucional n° 32, de 11 de setembro de 2001. No Artigo 62, ela disciplina o uso de medidas provisórias pelo Presidente da República, e aí destaca-se o item II do parágrafo primeiro, reproduzido a seguir:
“§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;”
Na prática, o que isso significa? Significa que o Presidente da República não pode determinar bloqueio ou confisco da poupança, de aplicações financeiras ou quaisquer outros depósitos bancários sem prévia revisão e alteração do Artigo 62. E a alteração da Constituição somente é possível através da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), cujo caminho para aprovação não é simples, é rígido: após ser analisada por uma Comissão de Constituição de Justiça e Redação, a PEC precisa ser discutida e votada em dois turnos em cada Casa do Congresso (Câmara e Senado), obtendo em cada uma delas o mínimo de três quintos dos votos, para então ser promulgada pela Mesa das duas Casas. Ou seja, uma medida drástica como a de um bloqueio ou confisco de depósitos e investimentos financeiros não pode ocorrer sem que antes o texto constitucional seja alterado pelo caminho previsto.
É comum, em momentos de transição de governos, circularem postagens em aplicativos de mensagens e redes sociais contendo informações falsas a respeito de medidas que, na prática, são inconstitucionais. Ao receber esse tipo de mensagem, pesquise sobre o assunto em meios de comunicação conhecidos, confiáveis e em veículos oficiais. Faz parte da educação e do planejamento financeiros o conhecimento das leis sobre o tema para fazê-los de forma consciente, visando a realização de objetivos pessoais e familiares.
Leonardo Abritta Mendes é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro. E-mail: [email protected].
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