Planejamento financeiro com propósito
Marcia Dessen, CFP®:
Sábia a citação de planejamento financeiro atribuída a Albert Einstein. A primeira metade da sabedoria espirituosa, “nem tudo o que pode ser contado conta”, é uma consideração poderosa, porque por muito tempo —e ainda para muitos— o planejamento financeiro se limitava aos números, uma relação do que pode ser contado: ativos, passivos, dinheiro. O que está faltando nessa lista? O propósito.
Todo plano financeiro deve ser centrado no planejamento de vida; não é pretensioso ou assustador como pode parecer, mas focar a perspectiva do que é mais importante na vida para que a gestão do que se pode contar seja coerente com o que realmente importa. Assim, segundo Einstein, o que pode ser contado só conta quando está imbuído de propósito.
Em relação à segunda metade da citação de Einstein, “nem tudo o que conta pode ser contado”, vamos examiná-la no contexto de exemplos comuns no planejamento financeiro.
novo graduado? A capacidade de pensar criticamente e resolver problemas? A profundidade dos relacionamentos com colegas e professores que muitas vezes duram a vida toda? Embora sejam alguns dos elementos mais valiosos da educação universitária, eles não podem ser contados.
Gestão de riscos: prêmios, franquias e indenizações? Contáveis. A sensação de paz derivada de saber que, em meio a alguns dos eventos mais indesejáveis da vida, as dificuldades financeiras não farão parte deles? Incontável.
Planejamento patrimonial: a herança, o que deixamos para herdeiros quando nos vamos, é eminentemente contável. Mas e o legado? Todo o mais que fica depois de partirmos importa muito, mas não consta do inventário.
Gestão de dívidas: saldo devedor, taxa de juros e cronograma de amortização são contáveis, mas e a sensação que se tem quando a dívida é paga? Inestimável, mas não aparece no balanço.
Planejamento educacional: aulas, palestras, créditos, diplomas, e certamente as mensalidades e taxas, podem ser contabilizadas, certo? Mas e a confiança ou o senso de autossuficiência incutido em um
Para ser justa, algumas coisas na vida que podem ser contadas também contam. O negócio da família, a casa de campo que todos frequentam e adoram, certos livros, móveis ou instrumentos musicais que carregam mais do que seu valor intrínseco, ou até mesmo as ações de uma empresa cuja nova tecnologia pode mudar o mundo.
Não creio que a intenção de Einstein tenha sido a de sugerir que o que pode ser contado e o que conta sejam mutuamente excludentes. Creio que há muito valor em refletir sobre esse jogo de palavras e avaliar como a dicotomia pode ou deve se encaixar em seu planejamento financeiro.
Podemos começar reconhecendo que o que é tangível, material e contável, tende a ser supervalorizado, porque podemos vê-lo ou tocá-lo e porque muito do prazer é vivenciado na antecipação da compra ou experiência, ou quando consideramos os impactos da depreciação e da inflação sobre os ativos e a renda. Por outro lado, temos o incrível valor do que não podemos contar —propósito, segurança, confiança, conforto, empatia, alegria e muito, muito mais.
Vamos reconhecer que o que conta, material ou não, deve ser a inspiração e o combustível de nosso plano financeiro. E não deveria ser a cereja do bolo, algo que buscamos somente após concluir e considerar o plano bem-sucedido. Deve ser o centro, o ponto de partida, e a bússola à qual nos referimos e retornamos durante todo o processo de planejamento, para garantir que estamos contando o que realmente conta.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 26/07/2021.