Consultório Financeiro

Qual percentual tenho direito a receber de uma herança?

“Sou herdeiro do meu pai (tenho uma irmã), que é casado com separação total de bens com a segunda esposa com a qual ele tem um filho (meu meio irmão). Se ele falecer, irei herdar qual percentual sobre seu patrimônio? Ele é casado com separação total de bens e diz que quer fazer um testamento onde deixará 25% para cada herdeiro (esposa e 3 filhos) – isso é possível?”

Silvio S. Paixão, CFP®, responde:

Prezada Leitor,

Temos visto ocorrer com maior frequência casais de primeiras, segundas e até terceiras núpcias estabelecendo para regime de casamento a separação total de bens, através de “pacto antenupcial”.

Diferentemente do “regime de separação (obrigatória) de bens” – mandatório para situações, como por exemplo, o casamento de cônjuge(s) maior(es) de setenta anos ou que um deles dependa de autorização judicial para poder casar (Art. 1641 do Código Civil), o “pacto antenupcial consensuado”, ou simplesmente “pacto antenupcial”, é aquele onde os noivos realizam um contrato de comum acordo, antes do casamento, oficializado em escritura pública registrada em cartório, que o torna público para produzir os efeitos pretendidos perante herdeiros e terceiros (instituições financeiras requerem informações de bens de seus clientes).

Veja, o “pacto antenupcial” estabelece uma série de direitos e deveres entre o casal, situação diversa e mais abrangente do que aquela da mera escolha de regime de casamento, seja ele comunhão parcial ou universal de bens, pois trata de outros aspectos do relacionamento conjugal e de convivência do casal, e não somente do aspecto patrimonial. Portanto, o “pacto antenupcial” além de caracterizar, sim, a distinção total dos bens, atuais e posteriores, de ambos os cônjuges enquanto estiverem juntos, trata, também, de compromissos e condicionantes da vida do casal.

Atenção: o “pacto antenupcial” só prevalece enquanto os dois cônjuges estiverem vivos! Isso significa que, se por ventura um dos dois vier a morrer, o cônjuge sobrevivente se torna herdeira(o), concorrente com os outros herdeiros necessários aos bens que pertenciam àquele(a) que tiver falecido. Ou seja, se o senhor seu pai vier a falecer antes da atual esposa, e eles permaneceram casados até então, nesta situação, sem testamento, resultará em partilha de bens de seu pai em 4 (quatro) partes  – 25% do todo para cada herdeiro, para os 3 filhos mais a viúva. Por isso, não se faz necessário um testamento para partilhar o patrimônio dele equitativamente entre vocês 4, pois isso ocorre inevitavelmente no inventário, caso ele não estabeleça antes uma partilha em bases desiguais no inventário.

O sistema legal brasileiro permite a seu pai dispor livremente até 50% do valor do patrimônio dele, a qualquer tempo, enquanto estiver vivo, cônscio e lúcido; enquanto que a outra metade, denominada “legítima”, é reservada obrigatoriamente para os herdeiros necessários – os descendentes diretos, que são a cônjuge (se não se divorciarem) e filhos. A “legítima” será distribuída na partilha da herança – os bens então existentes quando ele(a) vier a falecer irão para o inventário, judicial ou extrajudicial.

Neste contexto, o seu pai pode eventualmente, em testamento, destinar tudo que tiver, até o limite de 50%, como e para quem quiser, desde que suas intenções estejam claramente fundamentadas no testamento. Acima deste limite não é permitido, pois significaria deserdar todos ou parte dos outros herdeiros. Supondo que ele venha a determinar no testamento que ela receba até 50% do patrimônio então existente, a outra parcela de 50%, pertencente à “legítima”,  será dividida entre os 4 equitativamente, ou seja, 25% da “legítima”, que equivale a 12,5% do todo para cada, o que para ela resultará 62,5% do patrimônio total remanescente.  

Silvio S. Paixão é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected].  

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected].

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 08 de junho de 2020

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