Tenho dívidas maiores que meu salário. Qual a melhor saída?
Tenho 24 anos e trabalho em uma franquia. Minha vida financeira é conturbada desde os primeiros salários, mas com o tempo só piora. Moro sozinha em um apartamento CDHU que é do meu pai, mas as parcelas do financiamento são de minha responsabilidade. Desde que vim morar aqui não paguei nenhuma prestação. Hoje, essa dívida está em mais de 6 mil reais – meu salário é de R$ 1.400. Não sei se fazer um empréstimo é uma boa ideia, porque teria que pagar este empréstimo e não mais atrasar as próximas parcelas do apartamento. Além disso, esta não é minha única dívida – há 4 anos fiz empréstimo com agiota e pago juros todos os meses. Não consigo nunca quitar essa dívida. Qual a melhor saída?”
Karoline Roma, CFP®, responde:
Cara leitora, obrigada por compartilhar sua história. Sentir-se endividado, quer consigo mesmo ou para com um outro, ou sentir que alguém lhe deve, mexe com nossa autoestima, e consequentemente com nossa identidade e sensação de segurança. Por isso, vamos com calma.
Há vários pontos na sua narração que merecem atenção. Quando falamos de dívidas, antes de analisar qualquer saída, é sempre importante entendermos qual foi a porta de entrada, isto é, a origem do endividamento. Quando você diz que sua vida financeira é conturbada desde os primeiros salários, temos um indício de como tem sido sua relação com o dinheiro desde então.
A maioria dos problemas financeiros surgem pela falta de autoconhecimento sobre o que e quanto precisamos para viver: Quais são suas necessidades de sobrevivência – moradia, transporte, alimentação, higiene? Quanto isso representa no orçamento? Quais são suas necessidades sociais e de realização – lazer, beleza, educação? Quanto custa satisfazê-las? Você está exposta a quais riscos? De quanto precisa para proteger-se? Quanto você faz de dinheiro? Dá? Sobra? Falta? Empata?
Em geral, lembramos apenas de dois terços dos nossos gastos. Isso significa que, pelo menos um terço dos nossos recursos são consumidos de forma automática, justamente porque não paramos para conhecer nossos números e refletir sobre nossas reais necessidades e desejos, e assim, nos deixamos influenciar pelas expectativas da sociedade, dos amigos e dos familiares.
Para não precisar falar ‘não’, seja para o outro, seja para nós mesmos, começamos um processo de autoengano, não sabendo de fato quanto ganhamos, muito menos controlando quanto gastamos, e ainda não nos preparando para o futuro e imprevistos. Com isso, adquirimos um padrão de vida fora da nossa realidade financeira, assumindo compromissos que depois não damos conta de honrar. Daí, surgem as dívidas.
Seu caso ainda traz um quadro curioso, se colocarmos os créditos em uma escala de custo versus benefícios, encontramos desde uma das modalidades mais baratas, o financiamento imobiliário de um programa subsidiado, até a menos recomendada, a agiotagem, que costuma ser cara e oferecer maiores riscos. Cada linha de crédito possui um objetivo, e seu custo costuma ser inversamente proporcional ao tamanho da burocracia e garantias necessárias para obtê-lo. Por isso, é fundamental se preparar para tomar um empréstimo.
Quando você pergunta se fazer um empréstimo é uma boa ideia, porque a partir daí você precisará pagá-lo e não poderá mais atrasar as próximas prestações do apartamento; você também precisa se questionar quais as consequências em não o fazer. Enquanto a dívida estiver em atraso, ela irá crescer, e seu pai corre o risco de estar com o nome negativado no cadastro de inadimplentes.
Por isso, seja honesta com você e com o outro. Reflita se a escolha da aquisição do apartamento foi sua, ou se foi para atender uma expectativa do seu pai. Talvez cabe aqui uma conversa sincera entre vocês. Reconheça seus limites e a situação que você deve algo a alguém e, então, conseguirá criar um plano de ação para quitar essa dívida. Não existe caso sem solução.
Comece conhecendo fotografia financeira e recursos disponíveis. Some os saldos devedores das duas dívidas, e procure instituições financeiras para levantar seu perfil de crédito – limite disponível, taxa de juros, prazo e valor da parcela. Verifique também se há proposta de parcelamento da dívida diretamente com o credor e as condições.
Depois, vá para seu fluxo de caixa e identifique suas receitas e despesas. Inclua o valor da parcela do financiamento do imóvel e exclua os gastos com juros do agiota, nesse primeiro momento, e descubra se o saldo é positivo ou negativo. O objetivo é encontrarmos um número (sobra de caixa) que será a base para renegociação das dívidas. O ideal é que você consiga trocar dívidas caras por linhas de crédito a custos mais baixos e com prestações que caibam no orçamento. Será necessário usar a criatividade para reduzir custos e gerar renda extra.
Lembre-se que momentos difíceis podem nos trazer grandes oportunidades de crescimento e transformação. Recursos são limitados. Aceitar isso permite que façamos escolhas mais conscientes e conectadas aos nossos valores e sonhos legítimos. Por isso, aproveite para refletir sobre eles. Dívidas são temporárias e sonhos são nossos motivadores para sair delas.
Karoline Roma Cinti é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. Email: [email protected]. Colaborou Fagner Marques.
As respostas refletem as opiniões do autor, e não do site ÉpocaNegócios.com ou da Planejar. O site e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
Texto publicado no site Época Negócios em 28 de novembro de 2017.