Consultório Financeiro

Vale a pena trocar o plano de previdência pela poupança?

A maior parte dos meus recursos está aplicada num plano de previdência. Nas últimas semanas, esse plano tem apresentado rentabilidade negativa. Devo sacar e aplicar o valor em poupança?

Thiago Ramalho, CFP®, responde:

Caro leitor,

Sua questão é relevante por representar uma angústia comum a muitas pessoas, que estão vivenciando situações parecidas: notam que seus investimentos em renda fixa têm apresentado rentabilidades negativas, o que para a maioria das pessoas não é intuitivo, tampouco esperado.

Porém, antes de entrar propriamente na sua questão, cabe destacar que pesquisas relacionadas às Finanças Comportamentais apontam que nossas decisões muitas vezes podem ser influenciadas por vieses comportamentais, como a “aversão à perda”, que faz com que pessoas deem maior peso à dor que sentem ao perder do que à alegria ao ganhar. O problema é que essa aversão pode induzir decisões precipitadas, que efetivamente provoquem as temidas perdas.

Alguns investimentos em renda fixa, como títulos públicos, que normalmente também compõem a carteira de fundos de investimento e planos de previdência, têm condições pactuadas no momento da compra, que serão honradas nos respectivos vencimentos. No entanto, entre o momento da compra e o vencimento, investimentos desse tipo sofrem a chamada marcação a mercado, que de forma simplificada pode ser explicada como o ajuste de preços realizado diariamente a partir dos movimentos de oferta e demanda desses papéis. Em síntese, em momentos mais estáveis, em que as taxas de juros sinalizam que cairão no futuro, os preços desses títulos são ajustados para cima, gerando valorizações. Ao contrário, em contextos de maior instabilidade, como o que estamos enfrentando no momento em função da pandemia e de seus efeitos, as taxas de juros de longo prazo tendem a subir, fazendo com que seus preços sejam ajustados para baixo, gerando rentabilidades negativas. Essas oscilações para cima e para baixo representam a volatilidade desses investimentos, ou seja, o seu risco.

Entretanto, é importante lembrar que só haverá perdas se resgates forem efetivados nos momentos de oscilações negativas. Assim, antes de tomar qualquer decisão, sobretudo considerando que recursos alocados em planos de previdência normalmente são relacionados a objetivos de longo prazo, pondere se realmente é o momento de realizar tal mudança, levando em consideração inclusive eventuais prejuízos tributários, a depender das características do seu plano de previdência. Mesmo que sua decisão envolva portar a sua previdência para outra instituição financeira, é necessário avaliar o impacto de eventual alteração da sua tábua atuarial, que pode causar prejuízos no futuro, principalmente se o seu plano for antigo.

Paralelamente, vale revisar o seu perfil psicológico por meio de testes de suitability que as instituições financeiras oferecem para, sendo necessário, reavaliar a alocação dos seus recursos, se for o caso destinando-os a alternativas não sujeitas à marcação a mercado, como LCA, LCI, CDB e até mesmo a poupança. Esta última oferece como remuneração 70% da Selic, ou seja, neste momento apenas 1,4% ao ano; apesar disso, talvez não provoque a tal “dor da perda”, insuportável para muitos.  Apenas lembre-se que menos riscos implicam normalmente menos retorno e que a taxa Selic encontra-se em seu patamar historicamente mais baixo (2% a.a.). Nesse sentido, aplicações muito conservadoras podem não acompanhar nem a inflação, gerando um outro tipo de perda: a real, que faz com que o nosso poder de compra seja reduzido.

Se possível, aconselhe-se antes de qualquer decisão com um planejador financeiro para que possa fugir das armadilhas dos vieses comportamentais. Boa sorte!

Thiago Borges Ramalho é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. Email: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 23 de novembro de 2020

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