Como criar no Brasil uma cultura de investimento?
Adriana de Luca, CFP®, responde:
Essa dúvida enviada pelo leitor é muito interessante. Para tentar encontrar uma resposta sobre o comportamento dos brasileiros em relação às finanças, é necessário voltar no tempo e tentar entender que fatores culturais e condições econômicas podem ter contribuído para a ausência de uma cultura de investimentos.
Parte dessa cultura de não poupar e não investir dos brasileiros pode vir de aspectos histórico-sociais bastante arraigados no imaginário coletivo. Aquela velha máxima de que no Brasil, em se plantando, tudo dá, pode ter colaborado para que as pessoas não enxergassem a necessidade de planejamento, preparação e acumulação para tempos de dificuldade, como se vê em populações que enfrentam condições climáticas extremas, como invernos muito rigorosos, ou aquelas que vivenciaram longos e repetidos períodos de guerras. Esses povos aprenderam que sua sobrevivência dependia da capacidade de se planejar e preparar para as adversidades, garantindo que houvesse reservas e suprimentos necessários para atravessar esses momentos.
Outro aspecto a ser considerado é que, no Brasil, existiram longos períodos de alta inflação, estabilizada recentemente pelo Plano Real, em 1994. Em tempos de hiperinflação, as pessoas tinham por hábito receber o salário e imediatamente fazer compras, abastecer os carros etc., para tentar garantir o suprimento de suas necessidades antes de novas rodadas de remarcações de preços. A repetição desse comportamento também pode ter contribuído para criar a cultura de consumo imediato da população.
Investir, ao contrário, requer planejamento e visão de longo prazo, pois será necessário poupar e decidir sobre a alocação desses recursos em produtos financeiros que, potencialmente, irão gerar lucros para o investidor.
Poupar é a primeira dificuldade dos brasileiros. Segundo dados do IBGE, o rendimento médio mensal dos trabalhadores locais é de R$ 2.900 (set/23), sendo que 90% recebem abaixo desse valor. Com a recente elevação do custo de vida, a tarefa de poupar fica mais difícil. Isso não significa que pessoas de menor renda sejam incapazes de guardar dinheiro. Cada um, dentro de suas características e limitações, deve ter seu orçamento e fazer planejamento financeiro.
Após acumular os recursos, será necessário escolher produtos financeiros para investir, o que representa outro entrave. Em geral, os brasileiros têm baixo nível de educação financeira e acreditam que investimentos são complexos, arriscados e apenas para ricos, o que os afasta de buscar informações e se lançar ao mundo dos fundos, CDBs, ações etc.
Nas últimas décadas, com a estabilização da moeda, a disseminação da internet, a publicação de vários livros sobre finanças pessoais e o empenho de diversos agentes econômicos, dedicados a tornar o processo de investimento mais palatável ao público leigo, já é possível começar a ver os resultados positivos, como a elevação do número de investidores na bolsa de valores e no tesouro direto.
Refletindo sobre esses argumentos, chega-se ao ponto fundamental para promover a virada na cultura de investimentos no Brasil: Educação, especialmente Educação Financeira. É necessário que as pessoas olhem para as mudanças que ocorreram na sociedade, como o envelhecimento populacional, a redução do número de filhos por família etc., e entendam a urgência de se mergulhar numa cultura de poupar e investir para garantir um futuro com qualidade de vida para todos.
Adriana de Luca é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro. E-mail [email protected]
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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 26 de fevereiro de 2024