Como fazer a doação de imóvel em vida
Minha avó possui um apartamento próprio, cujos herdeiros diretos são minha mãe e meus dois tios. Conversamos em família a possibilidade de minha avó fazer uma doação em vida (o que acarretaria menos gastos que um inventário) e o imóvel ficaria em meu nome. A questão é que 50% do patrimônio é de direito dos herdeiros diretos (os três filhos, visto que minha avó é viúva), correto? Existe a possibilidade de, com o aval dos filhos, passar o imóvel para o meu nome?
Rosario Guadalupe Villarreal Pujado, CFP, e Gabriel Hernan Facal Villarreal respondem:
Prezado leitor, como premissa, parto do pressuposto de que o único patrimônio de sua avó é o imóvel mencionado, não havendo outros bens de sua propriedade.
A operação pretendida encontra limitação por conta de vedação legal de doação da totalidade do patrimônio do doador, a chamada doação universal, considerada nula pelo artigo 548 do Código Civil. A intenção da referida norma é a preservação de patrimônio ou renda mínimos para garantir a subsistência do doador, preservando-lhe ao menos condição financeira mínima para sua manutenção. Neste ponto, caso existam outros bens, valores ou renda, a doação seria tida como válida. Caso não existam outros bens, valores ou renda, a doação poderá ser feita com reserva de usufruto vitalício em favor de sua avó, o que possibilita a transferência da propriedade através da doação, porém com o resguardo do direito de uso do imóvel em caráter vitalício em prol do doador, assegurando-lhe a manutenção da moradia para fins de subsistência. A doação com reserva de usufruto vitalício costuma ser a forma mais comum e segura de transferência de patrimônio imobiliário em vida para a maioria das famílias.
Ainda, temos que nos debruçar sobre a questão sucessória com relação aos três filhos de sua avó, sua mãe e seus tios. O artigo 549 do Código Civil também veda a doação patrimonial que exceda 50% do patrimônio do doador, considerando-a nula. Por força de determinação legal, no ato da doação o doador sempre deverá resguardar ao menos 50% de seus bens, pois tal patrimônio compõe a chamada parcela legítima a que tem direito s eus herdeiros necessários. No caso, sua mãe e tios são herdeiros necessários de sua avó e, dessa forma, possuem o direito ao mencionado resguardo patrimonial. Apesar de existirem algumas decisões judiciais acolhendo a anuência dos herdeiros como renúncia antecipada à herança, validando a doação, entendo que tais decisões compõem exceção à regra e guiar-se por estas pode ser arriscado. Isto porque o artigo 426 do Código Civil proíbe qualquer espécie de contrato envolvendo a herança de pessoa viva, ou seja, a herança não poderia ser renunciada enquanto ainda vivo o titular dos bens.
O meio mais seguro de realizar a transmissão pretendida seria através de dois momentos de doação. Num primeiro momento sua avó, resguardando-se o usufruto vitalício, doaria 50% do imóvel a você e os outros 50% em partes iguais para sua mãe e tios. Esta doação seria tida como válida para todos os fins legais. Em seguida, e ainda respeitando-se o usufruto vitalício já instituído, sua mãe e tios fariam uma nova doação a seu favor, transferindo a titularidade dos 50% que receberam no primeiro ato de doação. Em que pese o fato de ser um procedimento mais longo e custoso, é uma forma totalmente segura de alcançar o objetivo pretendido de forma inquestionável e em completa harmonia com a legislação em vigor, desde que esta segunda doação não corresponda a mais de 50% do patrimônio de sua mãe ou tios.
Rosario Guadalupe Villarreal Pujado é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP (Certified Financial Planner), concedida pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF). Email: [email protected]. Gabriel Hernan Facal Villarreal é especialista em direito tributário pela PUC/SP.
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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 06 de julho de 2015.