Como investir na bolsa em momentos de turbulência?
Flávia Montoro, CFP®, responde:
O guru Aswath Damodaran, professor de finanças na Universidade de Nova York, costuma dizer que para fazer uma boa avaliação de uma empresa precisamos de uma narrativa que faça sentido, ou seja, precisamos de uma boa história que se sustente no longo prazo. Em momentos de crise como agora, isso tem mais importância do que nunca!
Quando um investidor compra uma ação de determinada empresa, ele acredita que o valor é maior do que o preço que paga ao comprar. Lembre-se que o valor de uma ação é dado em função do valor presente dos fluxos de caixa esperados no futuro, como por exemplo os lucros futuros da companhia. Por isso, quando se investe em uma ação de uma empresa é fundamental estimar os lucros futuros dela.
Alguns acreditam que, em momentos de turbulência, seja mais desafiador encontrar o valor da empresa porque o futuro parece mais nebuloso e, como consequência, temos mais dificuldade em estimar os lucros futuros. Mas, se o investidor voltar para os fundamentos da companhia e construir uma narrativa que faça sentido, como ensina o professor Damodaran, é possível encontrar boas oportunidades mesmo em momentos de crise.
Hoje a visão que se tem do futuro é distinta da que se tinha antes da pandemia, sem dúvidas. E, nesses momentos de turbulência e de mudanças, é possível encontrar oportunidades interessantes.
Para investir na bolsa e determinar o valor de uma companhia podemos usar modelos de desconto do fluxo de caixa (DFC) ou múltiplos, como preço/lucro (P/L) ou preço/patrimônio líquido (P/PL). Neste artigo o foco será o primeiro.
Para fazer um bom modelo de desconto de fluxo de caixa devem-se projetar todas as linhas do balanço patrimonial e da demonstração de resultados da empresa avaliada. E, para que essa projeção seja verossímil, é essencial que o investidor conheça o presente e o passado da empresa, que estude o mercado em que a empresa atua e que analise a competição atual e possível competição futura.
A taxa de desconto que será usada para calcular o valor presente do fluxo de caixa da empresa varia para cada empresa analisada e representa, invariavelmente, a taxa mínima de retorno para investir nessa ação. Existem algumas maneiras de calcular essa taxa, mas geralmente ela é derivada da taxa básica de juros da economia. No caso do Brasil, essa taxa é a Selic, mais um prêmio pago para o risco do investimento.
Durante a crise, os juros básicos do Brasil foram bastante afetados. Antes da pandemia, a expectativa da Selic segundo o relatório Focus do Banco Central, que agrega expectativas do mercado e é publicado semanalmente, era de 4,50% para 2020 e de 6,50% para o ano que vem. Essas estimativas são do relatório publicado em 2 de janeiro. Já no relatório publicado em 31 de julho, a expectativa para a Selic este ano era de 2,00% e de 3,00% para 2021, chegando a 6,00% em 2023.
Diante disso, quando o investidor fizer ou revir a valorização da empresa terá que levar em conta que a taxa básica mudou e avaliar se essa mudança é de longo prazo ou não.
Além da queda da taxa de juros, outro exemplo de quebra de paradigmas aconteceu no setor imobiliário comercial. Quem imaginou que profissionais de diferentes áreas estariam trabalhando de casa adaptados e com alta produtividade? Ou seja, um investidor que comprou uma ação no setor imobiliário vai ter de voltar para sua narrativa, revisar os lucros futuros e refazer a avaliação da empresa.
Algumas perguntas precisam ser respondidas nessa nova avaliação: será que essa companhia vai crescer como estimado anteriormente? A crise comprometeu seus lucros futuros ou apenas fez a empresa “perder” um ano? Lembre-se que o valor de uma ação é diretamente relacionado ao crescimento de lucros da empresa e que, quando a expectativa de lucro muda, o valor “justo” da ação também muda.
Portanto, investir em momentos de turbulência não é diferente de investir em tempos normais. O investidor deve voltar ao básico (back to basics) e analisar a empresa com o mesmo cuidado, focar nos seus fundamentos e calcular o valor presente dos fluxos de caixa futuros para determinar o valor da ação.
E, por fim, se você está perguntando sobre como investir na bolsa é porque já tem uma reserva de emergência em ativos de alta liquidez e baixo risco, e sabe que renda variável é para quem tem um horizonte de longo prazo.
Flavia Montoro é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]
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Texto publicado no site Época Negócios em 15 de setembro de 2020.