Consultório Financeiro

“Doações em vida, herdeiros e pagamento de impostos”

(Este texto foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico, em 15 de agosto de 2016)

“Estou fazendo meu planejamento sucessório e quero fazer doações em vida, com receio do aumento do ITCMD em meu Estado. Caso haja aumento da alíquota, meus herdeiros têm algum risco de ter que pagar a diferença no momento do inventário?”

Mauri Fernando de Souza, CFP®, responde:

Sua preocupação é pertinente. De acordo com a legislação atual, as regras de cobrança do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) são definidas pelos Estados e a alíquota máxima a ser aplicada ao patrimônio sucedido ou doado é de até 8%. Existem unidades federativas que cobram taxas fixas (como São Paulo, que cobra 4%) e outras que cobram alíquotas progressivas (como Santa Catarina, cuja cobrança varia de 1% a 8%, conforme o valor transmitido). É importante lembrar que, para doações de bens imóveis e cotas de empresas, o imposto será recolhido no Estado onde eles estiverem situados. No caso de dinheiro ou aplicações financeiras, será no Estado onde o doador tiver domicílio.

Para responder a sua dúvida, utilizarei um exemplo. Imagine que uma pessoa queira transmitir seu patrimônio em vida para dois herdeiros. Os bens em questão são imóveis avaliados em R$ 2 milhões (cada donatário receberá R$ 1 milhão) e estão localizados em um Estado que aplica alíquota fixa de 4% de ITCMD. Como estamos falando de doação em vida, o doador poderá transmitir os bens com cláusula de usufruto vitalício. De acordo com essa regra, mesmo após a doação de imóveis ou cotas de empresas, o doador mantém o direito de uso e/ou de recebimento das receitas provenientes desses ativos.

Quando uma doação é feita com a cláusula citada, a cobrança varia de acordo com cada Estado: alguns exigem 50%, enquanto outros cobram 1/3 ou 2/3 do valor do ITCMD, deixando o recolhimento do valor restante para o momento da extinção do usufruto (que geralmente acontece após a morte do doador) e com aplicação da alíquota de imposto que estiver em vigor nesse momento.

No exemplo em questão, considerando que o Estado cobre 50% do ITCMD, significa que a base de cálculo do imposto será sobre R$ 1 milhão (50% de R$ 2 milhões), resultando num valor de R$ 40 mil a ser pago por quem recebeu a doação, deixando os 50% restantes para o momento em que o usufruto for encerrado.

Suponhamos que após alguns anos, a alíquota do ITCMD mude para 8% e que o doador venha a falecer. A cláusula de usufruto vitalício sobre os bens já doados será extinta e deverá ser recolhido o imposto sobre os 50% restantes, resultando em valores a pagar de R$ 80 mil (8% sobre R$ 1 milhão).

Para evitar que os herdeiros tenham que pagar essa diferença no momento do inventário, é preciso solicitar o recolhimento de 100% do valor do ITCMD após a doação e registro de usufruto e, no registro de imóveis, vincular à matrícula do imóvel a observação de que foi recolhida a totalidade do imposto sobre transmissões (instituição e extinção do usufruto) e que não há mais imposto a pagar no momento da extinção desse usufruto.

Além disso, lembro que a legislação brasileira não permite doar a totalidade do patrimônio a qualquer pessoa. Ao menos 50% do patrimônio é considerado “parte legítima” e deve ser transmitida de acordo com a ordem natural de sucessão prevista em lei. Os 50% restantes são considerados “parte disponível”, que pode ser doada a qualquer pessoa, independentemente da ordem de sucessão.

Em seu questionamento, você não forneceu muitos detalhes sobre sua realidade. Por isso, sugiro que procure ajuda de um profissional para auxiliá-lo.

Mauri Fernando de Souza é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF). E-mail: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 01 de dezembro de 2016

0