Formalizar união estável permite planejar sucessão
Tenho 42 anos, dois filhos e namoro firme há três anos, sendo que ela passa a maior parte do tempo em minha casa. Não pretendo me casar novamente, mas, se acontecer alguma coisa comigo, como ficam meus bens? Gostaria que meu legado ficasse somente para meus filhos. Devo fazer alguma coisa para garantir isso?
Everson Stabile, CFP, responde:
Prezado leitor, observo que a sua preocupação central é transmitir a totalidade do seu legado exclusivamente aos filhos na sua falta. Relata possuir uma relação séria, onde ela convive a maior parte do tempo na sua casa, caracterizando uma união estável. Iremos trabalhar visando entender e mitigar os riscos dessa relação para o objetivo de legar aos filhos e seus bens.
A não formalização do casamento não isenta você da “entidade familiar da união estável” protegida pela Constituição (art. 226). Importante elucidar alguns conceitos relevantes:
1) Meação é a metade ideal do patrimônio comum do casal, a que faz jus cada um dos cônjuges, apurada em qualquer hipótese da partilha (divórcio ou falecimento), a depender da comunicação do regime de bens; 2) Herança é o conjunto de direitos e obrigações transmitidos em razão da morte; 3) Legítima corresponde à parte da herança reservada por lei aos herdeiros necessários: cônjuge sobrevivente, os descendentes e os ascendentes.
Na sua falta, sua namorada na condição atual é herdeira necessária e, neste caso, é imprescindível respeitar a lei com a parcela que corresponde à legítima. Já na meação, em caso de separação, há instrumentos que podem proteger, como os pactos de separação total de bens, sendo obrigatório contrato de pacto antenupcial para escolha desse regime de bens.
Antecipar a parte disponível da herança pode ser uma boa alternativa, se for imóveis, com usufruto vitalício; se for recursos líquidos, através da doação, ou da contratação de uma previdência, que cumprirá essa função na sua falta. As antecipações buscam direcionar toda a parte disponível para os filhos e, assim, deixam apenas a legítima para ser dividida entre os três. Ambas podem gerar uma economia com ITCMD (Imposto de Transmissão por Causa Mortis e Doação), tendo em vista a forte tendência de elevação da alíquota pelos Estados. Outra opção é o seguro de vida, que complementa o valor a ser recebido pelos filhos.
A previdência privada, no falecimento do titular, é paga aos beneficiários indicados, herdeiros ou não, não compondo o inventário, assim podendo economizar custas judiciais, honorários advocatícios e ITCMD, este último podendo ser cobrado em alguns Estados. Importante atentar que o valor pago aos beneficiários poderá ser questionado pelos demais interessados, caso ultrapasse a parcela disponível. Já nos seguros de vida, a indenização será paga aos indicados na apólice, seja herdeiro ou não. Aqui não temos limitações em relação à legítima ou meação; o seguro será pago aos indicados, sem compor cálculos do patrimônio.
Embora não queira se casar novamente, talvez a solução mais prudente seja se unir a ela com separação total de bens; assim, deixaria muito claro e segregado o patrimônio de cada um. Como o objetivo é legar o patrimônio aos filhos, o planejamento sucessório reduz custos, facilita a adaptação e protege os herdeiros. A falta do provedor impõe à família diversos trâmites, de forma abrupta, concomitante com o abalo emocional da perda do familiar.
Imprescindível a procura de um advogado que poderá tratar a situação com o conhecimento de todas as peculiaridades do seu caso e, assim, fornecer um parecer e constituir os instrumentos necessários.
Texto publicado no jornal Valor Econômico em 24 de outubro de 2016.