Testamento ou doação em vida?
Tenho um imóvel que obtive com a separação do meu primeiro casamento. Hoje estou em outro casamento. Pretendo vender esse imóvel, construir outro e doá-lo para meu filho, em meu usufruto. É melhor fazer a doação por meio de um testamento (ou registrado em cartório) ou colocar o imóvel no nome de meu filho, com usufruto meu, tirando assim o direito de partilha do meu novo companheiro?
Renato Roizenblit, CFP, responde:
Olá! Pra começar a responder sua dúvida seria necessário saber o regime do seu casamento. O Código Civil prevê quatro regimes distintos: comunhão parcial, participação final nos aquestos, comunhão universal e separação tradicional ou obrigatória. Existe também a caracterização da união estável. Para cada uma destas situações existem regras específicas para o caso de separação e morte.
Acredito que, por você estar no segundo casamento, definiu a separação de bens convencional (se um dos dois cônjuges tivesse mais de 70 anos o único regime possível seria a separação obrigatória de bens). Vou partir desta premissa para responder sua dúvida.
Seu apartamento é um bem particular e pelo regime definido não se comunica com o seu cônjuge. Ao construir outro imóvel o mesmo continua não se comunicando com o seu cônjuge. Ressalto que há isenção fiscal sobre ganho de capital na venda de seu apartamento se você adquirir outro imóvel residencial com o recurso em até 180 dias. O mesmo benefício não se aplica se o recurso da venda for utilizado para compra de terreno. Recomendo você avaliar este impacto.
Voltando à questão principal, sua preocupação é que, com sua morte, seu filho receba esse patrimônio. Os dois caminhos que você propôs – “colocar o imóvel em nome do meu filho, com usufruto meu” e “fazer a doação por meio de um testamento” – referem-se a doação, uma delas feita em vida e outra prevista para quando ocorrer o evento da morte. O fato de manter o usufruto na doação em vida impede seu filho de vender o bem enquanto você estiver viva.
O Código Civil de 2002 alterou profundamente as regras fazendo com que o cônjuge sobrevivente, no caso do regime de separação total de bens, concorra à herança em igualdade aos descendentes do cônjuge falecido. Neste caso, mesmo que tenha sido planejada uma doação em vida ou em morte, o cônjuge sobrevivente teria direito a dividir a parte da legítima com o filho. O código é muito claro. Porém, é também muito recente e vem sofrendo interpretações distintas em alguns tribunais do Brasil, como nos casos em que se define que o cônjuge sobrevivente não poderá ter participação na herança concorrendo com os descendentes (também existem decisões contrárias, de acordo com a lei). Ou seja, mesmo existindo a lei, existe uma insegurança jurídica.
O fato de se planejar a sucessão, com testamento ou doação em vida, já é uma forma de deixar explícita sua vontade. Isto pode aumentar as chances, caso ocorra no futuro uma discussão judicial, de seu filho ter uma decisão favorável a ele. Mas ainda não temos uma decisão em última instância que traga um conforto maior.
Adicionalmente, existe uma vantagem em se pensar em doação em vida. O governo sinalizou o interesse em alterar as regras de imposto sobre herança. Hoje, há um teto federal de 8%, mas cada Estado da federação define sua alíquota. A grande maioria dos Estados trabalha com 4% de alíquota. Se a doação for feita agora e houver uma elevação da alíquota, o que tem uma possibilidade razoável de acontecer, você já garantiu uma alíquota menor.
Espero que eu tenha ajudado a direcionar sua decisão. Adicionalmente, seria interessante procurar um especialista para analisar o seu caso.
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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 11 de maio de 2015.