Viúvo de herdeira em comunhão parcial tem direito a meação?
Há um processo de inventário de meus sogros, e minha esposa, que é uma das herdeiras, faleceu no curso do inventário. Éramos casados pelo regime de comunhão parcial de bens e temos duas filhas. Nesse caso tenho direito à meação e a outra metade será dividida para as duas filhas? Ou terei direito a somente 1/3 da herança? Ou não tenho direito a nada e tudo vai para as filhas?
Marcelo Luis, CFP®, responde:
O Código Civil que entrou em vigor em 2002 substituiu o de 1916, que, embora elaborado com extraordinária precisão pelo grande jurista Clóvis Bevilácqua e revisto de modo cuidadoso, acabou sendo superado pelas mudanças na sociedade após quase 100 anos de vigência.
Muitos institutos ficaram obsoletos e não mais atendiam às novas realidades, exigindo uma total reformulação, inclusive para sistematizar melhor as alterações pontuais que ameaçavam criar uma “colcha de retalhos”.
No campo da família e no das sucessões, foi praticamente necessário “subverter” regras que não mais refletiam a nova realidade (união estável, tipo de filiação, instituição e dissolução de sociedade conjugal, regime de bens, novos arranjos familiares, reconhecimento das uniões homoafetivas etc.).
Por exemplo, quando o regime de bens como regra deixou de ser o da comunhão universal, passando ao da comunhão parcial, tornou-se indispensável disciplinar esse ponto, transplantando-o, também, para a questão hereditária. Com o desaparecimento quase total da figura do meeiro, era fundamental estabelecer regras que buscassem um melhor equilíbrio entre os interesses em jogo. E, mesmo com um código tão recente, a jurisprudência vem tomando posições que ainda geram discussões doutrinárias.
No caso específico, quando do óbito dos sogros do leitor, os bens atribuíveis à esposa deste não se comunicariam para o marido na medida em que foram recebidos a título gratuito, ou seja, não foram obtidos na vigência da união do casal. Assim seria, também, se fossem resultado de uma doação.
Importante aqui salientar que, havendo outros herdeiros dos sogros, irmãos da esposa (cunhados ou cunhadas), o quinhão do leitor será o equivalente ao percentual equitativo dessa partilha para, a seguir, ser dividido conforme segue.
Entretanto, com o óbito da esposa, o que passa a ser disponível é a herança dela. No caso, o viúvo é meeiro apenas dos bens que integram a comunhão parcial (ou seja, aqueles que foram adquiridos na vigência do casamento), dada a presunção de que os cônjuges “remaram na mesma direção”, em benefício da família.
Assim, o art. 1.829 estipulou que o cônjuge sobrevivente concorrerá – na condição de herdeiro e em igualdade – com os filhos resultantes do casamento. No caso sob consulta, teríamos 1/3 para o viúvo e 1/3 para cada filha, e essa seria a resposta objetiva.
Só a título de informação, o art. 1.832 estabelece que a parte do viúvo não poderá ser inferior a ¼ do monte. Apesar de não ser esse o caso, vale exemplificar que existindo, por exemplo, cinco filhos, fica assegurado ao cônjuge sobrevivente esse percentual, de sorte que cada filho receberia o equivalente a 15% e o cônjuge herdeiro os 25% assegurados pela lei.
Finalmente, esse direito assegurado ao cônjuge sobrevivente deixa de existir se, à época da abertura da sucessão, ele estiver divorciado da inventariada ou dela separado de fato há mais de dois anos. Nesse caso o leitor nada receberia e as filhas herdariam metade cada uma do quinhão correspondente à falecida mãe.
Marcelo Luis Milech é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro. E-mail: [email protected].
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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 11 de Abril de 2022.