Como retroagir regime em união estável não formalizada?
Sem formalização, por não haver expressa escolha do regime de bens na relação afetiva, vigoram os efeitos do regime parcial de bens
Débora Maria de Souza , CFP® responde:
Caro leitor,
A união estável se dá pelo reconhecimento da convivência pública, contínua e duradoura estabelecida pelo casal com objetivo de constituir família independentemente de formalização por documento. Como já descrito em seu questionamento, por não haver a expressa escolha do regime de bens na relação afetiva, vigoram os efeitos do regime parcial de bens, considerando-se assim que todos os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável pertencem aos conviventes em partes iguais.
O regime de bens possui relação direta com o patrimônio dos envolvidos, razão pela qual torna-se imprescindível entender as características e funcionalidades de cada tipo de regime de bens existente no código civil brasileiro e qual será o impacto da escolha para o convívio conjugal. O assunto é polêmico, porém, com a execução de um eficiente planejamento sucessório e patrimonial, tem-se um melhor entendimento do caso apresentado para a realização da gestão patrimonial familiar.
Havendo a extinção da relação afetiva, no regime de comunhão parcial de bens a partilha do patrimônio é realizada de forma igualitária. Já no regime de separação total de bens não existe partilha, visto que patrimônio adquirido na constância do relacionamento afetivo não se comunica. Contudo, conforme entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), caso haja dissolução matrimonial no regime de separação total de bens, e havendo evolução patrimonial, é necessário que as partes comprovem que houve contribuição na aquisição ou evolução do patrimônio durante a convivência para que ocorra a divisão.
Vale lembrar que a mudança também impacta a sucessão dos bens ao cônjuge sobrevivente e seus dependentes, se houver.
Na comunhão parcial, o cônjuge sobrevivente é meeiro dos bens comuns em 50% do patrimônio e herdeiro do de cujus em igual proporção aos demais dependentes sobre os bens particulares. Na separação total de bens, não temos a figura do meeiro, e o cônjuge será apenas herdeiro.
O código civil brasileiro de 2002 trouxe importantes alterações no ordenamento jurídico no que tange às regras do regime de bens. Os princípios da mutabilidade justificada e da liberdade de escolha possibilitam aos cônjuges a modificação do regime de bens no curso de sua convivência. Entretanto, se faz necessária a concordância das partes mediante pedido motivado ao poder judiciário, que analisará os fatos apresentados para o consentimento da mudança desde que não produza prejuízo ou danos a terceiros.
Tratando-se da união estável sem a formalização documental, a situação é um pouco mais simples quanto à formalização da alteração do regime de bens, visto que o pedido poderá ser realizado diretamente no cartório mediante escritura pública ou pacto antenupcial optando pelo regime escolhido.
A grande questão se dá quanto aos efeitos dessa alteração. O STJ tem como entendimento majoritário e pacífico que a respectiva mudança do regime de bens produz eficácia ex-nunc . Significa dizer que os efeitos passam a ter validade a partir da data da decisão.
Resumidamente, quanto ao retrocesso do período de convivência em sua união estável, a priori não se aplica ao período em que se consolidou a união estável. Entretanto, recomenda-se que busque o auxílio de um consultor jurídico de sua confiança para analisar minuciosamente a real situação do casal, podendo assim avaliar a melhor decisão quanto à escolha do regime de bens mais adequado ao seu convívio familiar para minimizar o impacto da gestão patrimonial.
Débora Maria de Souza é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro. Email: [email protected].
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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 24 de Abril de 2023.