Consultório Financeiro

Como proteger bens doados aos netos?

Temos uma filha única de 40 anos com dois filhos adolescentes que residem conosco. E os três são totalmente dependentes de nós. Achamos que, para os nossos netos, seria muito importante morar numa casa que fosse deles, por isso estamos pensando em comprar um apartamento em nome dos dois. Nossa preocupação é que eles vendam o apartamento quando atingirem a maioridade para usar o dinheiro. Existe alguma forma de nós comprarmos o apartamento e não permitirmos que eles o vendam quando forem maiores?

Luciano Teixeira Pinheiro, CFP:

Caro leitor, se um ou mais imóveis forem adquiridos em nome de seus netos, é certo que, a partir da maioridade, eles poderão praticar todos os atos da vida civil, ou seja, dispor livremente dos bens que possuírem.

Entretanto, caso o imóvel seja comprado em seu próprio nome, é possível que se faça uma disposição testamentária. Conforme expressa o artigo 1.911 do Código Civil, pode-se estabelecer, no âmbito do testamento, uma cláusula de inalienabilidade do bem, ou seja, uma condição para que o bem transmitido por testamento (no caso, aos netos) não esteja sujeito a qualquer tipo de transferência para terceiros.

Como se trata de direito de sucessão, importa ressaltar que tal condição só será possível se o valor dos bens a que se fizer referência no testamento não ultrapassar metade do valor total da herança, de forma que não se atinja a parte do patrimônio que legalmente cabe aos herdeiros necessários.

De acordo com o Código Civil, são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Por constar o cônjuge deste rol, é relevante saber qual o seu regime de casamento, pois isso poderá influenciar na definição da parte dos herdeiros necessários e, logicamente, da parte que restará livre para se dispor em testamento.

Contudo, é preciso fazer algumas ponderações, pois a rigidez da cláusula de inalienabilidade poderá acarretar sérios embaraços para seus netos. Suponha que eles decidam morar em outra cidade; ou que passem em concurso público para outro Estado; ou, ainda, que um dia se mudem para o exterior.

É de se perguntar: Não seria razoável que eles pudessem vender esse bem? Necessariamente teriam de alugá-lo? A copropriedade de um único imóvel entre dois irmãos não poderia gerar conflitos de interesse?

Além do mais, dependendo da situação financeira em que se encontrarem, a manutenção de um bem que não podem alienar pode se tornar excessivamente onerosa (gastos com IPTU, condomínio, cotas extras, reformas etc).

De fato, a preocupação em garantir o futuro dos familiares é fundamental; porém, a forma mais eficaz de agir em prol do bem-estar de nossos entes é nos preocuparmos desde já com sua educação financeira.

A história bem ilustra que, o que levou ao fim diversas empresas familiares ao redor do mundo, não foi a ausência de cláusulas rígidas na transmissão do comando da empresa, mas sim a falta de preparação e formação dos sucessores. Não diferentemente, esse fenômeno se repete na sucessão de bens familiares.

Ensiná-los a guardar dinheiro com regularidade, ainda que pouco; entender a diferença entre desejo e necessidade; incentivar o interesse por cadernetas de poupança e outros investimentos, bem como a participação em palestras; e esclarecer que um único capital permite várias possibilidades, mas que escolhas precisam ser feitas – todos são hábitos extremamente positivos na formação financeira do indivíduo.

Luciano Teixeira Pinheiro é Planejador Financeiro Pessoal e possui a Certificação CFP (Certified Financial Planner) concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 16 de abril de 2012.

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