Consultório Financeiro

Como proteger bens e investimentos no relacionamento?

“Estou em um relacionamento sério e estamos pensando em morar juntos na minha casa, que foi deixada de herança pelos meus pais. Não pretendemos nos casar. Isso traria algum problema no futuro, caso o relacionamento não dê certo? E para os investimentos financeiros que tenho até hoje? Como posso me proteger?”

Karoline Cinti, CFP®, responde, com a colaboração de Fagner Marques:

Caro leitor, parabéns pela coragem de trazer o assunto para a mesa. Sua pergunta traz várias questões que merecem ser refletidas sobre as diferenças patrimoniais e financeiras que podem existir entre o casal, e os reflexos disso nos nossos relacionamentos e com o dinheiro.

Na união de duas pessoas, há pelo menos três efeitos financeiros que surgem. O primeiro diz respeito à gestão das receitas e despesas comuns e as formas de contribuição de cada um, que refletem em diferentes graus de dependência econômica e, consequente, acesso a benefícios e auxílios, como convênios médicos e pensões.

O segundo trata dos direitos sucessórios e da decisão de concorrer ou renunciar à herança. E o terceiro fala em como se dará a comunhão dos bens adquiridos antes e durante a relação.

Antes de mais nada, vocês devem estar alinhados quanto ao propósito de cada um na decisão de morarem juntos. Isso porque, se há objetivo de constituição de família, um relacionamento que possui convivência pública, contínua e duradoura pode ser entendido como união estável, mesmo sem uma formalização oficial no cartório, trazendo todos os efeitos gerados por ela, semelhantes a um casamento.

Hoje, existem contratos de namoro, que têm por finalidade proteger os bens pessoais das partes, por meio da declaração de que a relação não se trata de uma união estável com intenção de constituir família. O namoro não é reconhecido como entidade familiar, não gerando assim direitos e obrigações.

Todavia, como há diversos elementos subjetivos que podem indicar a passagem do namoro para a união estável, entre eles, a escolha de morarem juntos, a validade do contrato passa a ser questionada.

A comunhão parcial de bens é a que prevalece quando não há menção da escolha do regime na união estável. Se vocês nada fizerem, possivelmente, vão se enquadrar nesse caso.

Com isso, os bens existentes antes da união e as heranças recebidas não comunicarão com o patrimônio comum do casal. Os bens comuns serão considerados aqueles adquiridos ao longo da relação, metade de cada um.

Assim, em um evento de rompimento, a casa continuaria sua e o saldo atual dos seus investimentos financeiros também, visto que se configuram bens particulares.

Porém, a rentabilidade desses investimentos não. Os rendimentos das aplicações, por serem recebidos durante a união, passam a integrar o patrimônio conjunto do casal.

Portanto, do ponto de vista jurídico, se a preocupação do casal é proteger os bens particulares e provenientes da família de origem, recomenda-se a formalização da união estável em regime de separação de bens.

Sob a ótica do planejamento financeiro, a separação de bens também traz outras proteções ao patrimônio familiar, principalmente quando há atividades profissionais que carregam riscos financeiros — por exemplo, no caso de donos de empresas —, sem prejudicar o direito do companheiro à herança e pensão, se for a vontade das partes. Além disso, permite ao casal maior liberdade na tomada de decisão em relação à formação do próprio patrimônio, já que a divisão, se houver, é definida no momento da aquisição.

Vale destacar que muita gente exclui a opção da separação de bens, por achar que significa falta de amor ou confiança. Mas é exatamente quando temos liberdade de escolha e autonomia, que precisamos ser mais responsáveis e conscientes de quem somos, nossos quereres e limites, estando assim mais inteiros e autênticos na união.

O direito protege o patrimônio, mas pode não proteger a relação. É preciso abrir o diálogo para inclusão de si mesmo e do outro em um plano comum.

Karoline Cinti é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected].

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 22 de novembro de 2018.

0