Consultório Financeiro

Conta conjunta e planejamento sucessório

(Este texto foi publicado originalmento no jornal Valor Econômico, em 25 de julho de 2016)

“Minha família tem a prática de manter contas conjuntas, entre pais e filhos ou cônjuges. Como fica a movimentação da conta no falecimento de um dos correntistas?”

Raul Shalders Ulup, CFP®, responde:

Prezado leitor,

Sua pergunta é bastante pertinente tendo em vista a alta frequência com que ouço dizer que possuir contas conjuntas é um instrumento eficaz de planejamento sucessório. Mais pertinente ainda, porque essas mesmas pessoas não sabem ou ignoram que conta conjunta não é um instrumento de planejamento sucessório. Possuir conta conjunta não garante que o cotitular terá acesso aos recursos disponíveis no banco. Vamos a um exemplo.

Imagine que João e Maria, casados, são titulares de uma conta conjunta. João falece, Maria tem o cartão magnético da conta, senha, conhece o gerente, portanto possui todas as informações necessárias para efetuar um saque. Ela conseguirá sacar? Sim. Poderá sacar todo o recurso constante em sua conta corrente porque tem os mesmos poderes e direitos do primeiro titular. Na prática, isso é comum acontecer. E por quê?

Atualmente não existe um sistema online que diga ao banco sobre o falecimento do titular da conta. É necessário que o banco receba a certidão de óbito para bloquear a conta até que seja emitida uma ordem judicial autorizando qualquer movimentação. Se a família não fizer este comunicado, o banco não pode impedir a movimentação. Até então, as afirmações que ouço sobre conta conjunta como solução em caso de falecimento de um dos titulares procede. O problema vem depois.

Voltemos à história de João e Maria. Juridicamente, qualquer recurso disponível em conta bancária após o falecimento do João entrará em inventário. De acordo com o novo Código de Processo Civil, lei 13.105/15, no direito das sucessões, inventário corresponde à descrição do patrimônio do “de cujus” de forma detalhada, a fim de permitir que se proceda a partilha dos bens. Portanto, o recurso financeiro da conta corrente que, supostamente, estaria disponível para Maria, somado ao restante do patrimônio de João, deverá ser distribuído entre os seus herdeiros necessários. Então, Maria pode ter direito ou não a esses recursos da conta bancária. Dependerá do regime de casamento do casal e quem são os herdeiros de João.

Além disto, a Justiça analisará a capacidade de renda e poupança de João e Maria versus os valores disponíveis na conta. O bem material precisa ter origem, isto significa que Maria também deve comprovar renda e/ou patrimônio. Portanto, mesmo que ela saque todo recurso da conta conjunta, este mesmo bem é facilmente questionado por outros herdeiros e Maria terá que devolver a parte que não lhe é devida.

No caso de pais e filhos, o procedimento deve ser seguido da mesma forma, levando-se em consideração a parte da herança que corresponde a Legitima, isto é, herança obrigatoriamente destinada aos herdeiros necessários, e a outra parte disponível à vontade do autor do testamento.

Se sua pergunta tinha o intuito de buscar as melhores soluções para um planejamento sucessório adequado, existem instrumentos onde a família teria a liquidez necessária para custear as despesas de inventário, tais como planejamento para doação do patrimônio em vida, seguros de vida e planos de previdência privada, este último depende do Estado do contribuinte, pois a cobrança do ITCMD (imposto de transmissão causa mortis e doação) é de competência estadual. Em alguns Estados, há a cobrança sobre os planos de previdência privada e em outros não.

Espero ter ajudado a esclarecer sua dúvida. Recomendo que busque um especialista da área para aprofundar o tema, seja um advogado, planejador financeiro ou ambos.

Raul Shalders Ulup é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP (Certified Financial Planner), concedida pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF). E-mail: [email protected]

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 01 de dezembro de 2016

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