Consultório Financeiro

Doação pode ser contestada se ultrapassar limite da legítima

(Este texto foi publicado originalmento no jornal Valor Econômico, em 1 de agosto de 2016)

“Meu pai me deu de presente um apartamento quando casei. Meus 3 irmãos ainda são solteiros e não receberam um valor equivalente. Essa situação gerou desconforto na família. No caso do falecimento do meu pai, como fica a situação deste imóvel no espólio?”

Alice Pedrosa, CFP®, responde:

Prezado leitor,

A doação que seu pai fez é uma ajuda muito importante no início da vida conjugal do casal. A legislação prevê essa situação e como tratá-la de forma que nenhum herdeiro seja prejudicado. Queremos mencionar que, como não temos como abordar todas as situações específicas, é necessário que você consulte um advogado especialista.

O Código Civil caracteriza a doação de pais para filhos como um adiantamento do que lhes cabe por herança. É o caso do seu apartamento. Você o recebeu como antecipação do que terá direito por ocasião do falecimento de seu pai.

Numa doação, sempre que há herdeiros necessários (filhos, cônjuge e pais), a pessoa deve observar que eles têm direito à metade da herança, parcela chamada de legítima. Caso esse direito não seja respeitado, há possibilidade de haver contestação por parte dos prejudicados.

Para que você não receba mais do que os demais, a legislação indica que o bem deve ser incluído no processo de inventário. Esse procedimento é chamado de “colação”, e serve para igualar, na devida proporção, as partes dos herdeiros.

Consideremos uma situação para facilitar o entendimento. Digamos que seus pais estejam casados no regime de comunhão parcial de bens, que o patrimônio tenha sido constituído durante o matrimônio totalize R$ 1,8 milhão e que o valor do imóvel doado fosse de R$ 200 mil. O montante a considerar no inventário de seu pai será R$ 2 milhões. Sua mãe como meeira terá direito à metade do valor dos bens do casal (R$ 1 milhão) e o restante será dividido entre você e seus três irmãos, ou seja, cada um terá direito a R$ 250 mil. Como você já recebeu o imóvel, sua parte será R$ 50 mil, igualando assim a sua parcela com a de seus irmãos.

Nesse processo, o valor dos bens doados é aquele referente à época da doação. Não são consideradas benfeitorias que eventualmente tenham sido efetuadas, bem como quaisquer rendimentos ou lucros, assim como quaisquer danos e perdas.

Os bens doados em vida não respondem por dívidas relativas ao inventário, pois são bens não vinculados à herança. Além disso, esses bens não são tributáveis pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), uma vez que esse imposto foi recolhido por ocasião da doação.

Pode não haver necessidade da colação de um bem que foi doado. Isso ocorre quando o doador, através de testamento ou na própria doação, assim o determina, indicando que o bem saia da parte disponível de sua herança (parte que é limitada a 50% do valor da herança).

Se seu pai também vier a doar um imóvel para cada um de seus três irmãos, do mesmo valor que o seu, isso resolveria a questão já que todos estariam recebendo a mesma antecipação da herança. Solução simples mas nem sempre possível.

O assunto é bastante delicado e merece especial atenção não apenas sua, mas de toda a família, para eliminar, o quanto antes, o desconforto existente. Assim, sugerimos que você procure resolver a questão enquanto seus pais estão vivos, discutindo, com eles e com seus irmãos um planejamento sucessório, consultando um advogado e um planejador financeiro.

Alice Pedrosa é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

As respostas refletem as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico ou da Planejar. O jornal e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: [email protected].

Texto publicado no jornal Valor Econômico em 001 de dezembro de 2016

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