Seu Planejamento Financeiro

É um bom momento para investir em ouro?

Felipe Whitaker, CFP®, responde:

As páginas de notícias econômicas na data de hoje – justamente no deadline da entrega deste artigo – conferem destaque ao comportamento das cotações do ouro e, invariavelmente, apresenta-se este tipo de chamada: “Apetite global por ouro atinge marcas históricas: a quantidade de ouro em posse de ETFs atingiu 110 milhões de onças-troy (3 mil toneladas), maior nível na série histórica. O interesse por ouro foi impulsionado pelos mais de US$ 20 trilhões de estímulos econômicos no mundo e cenário de juros estruturalmente baixos (~US$ 16 trilhões de ativos rendendo juros negativos).”[1]

O ponto mais evidente dessa chamada, além dos valores nela expressos, é a constatação de que todos os investidores buscam segurança, especialmente em tempos de incertezas. De fato, boa parte da demanda por esse ativo específico, seja na sua forma física, seja em suas formas derivadas (ETFs, fundos, contratos etc.), vem justamente da dificuldade em prever o futuro, ou da intranquilidade em reconhecer globalmente o que se passa: efeitos da pandemia do novo coronavírus na atividade econômica; a retomada dos investimentos pelos empresários; o retorno da confiança dos consumidores; uma melhora no quadro de empregos e de disponibilidade de crédito; as eleições na maior economia do planeta; a continuidade ou não dos estímulos fiscais por Bancos Centrais nas maiores economias; as guerras comerciais; enfim, temos incertezas por todos os lados.

Além disso, sabe-se que estão investidos hoje mais de US$ 14 tri no mundo em ativos que rendem taxas negativas. Caso tenhamos ainda uma nova desaceleração global, medidas de estímulo econômico, como cortes de taxas de juros e programas de compra de ativos, se tornariam cada vez menos eficientes, dado o nível atual de juros em parte relevante das grandes economias e o tamanho dos balanços dos Bancos Centrais mundo afora. Todo esse dinheiro “perdendo valor” no tempo torna o ouro novamente mais atraente.

Esses fatores têm implicações severas nos mercados e nas carteiras dos investidores – independentemente de seu tamanho. E como o ouro é considerado por muitos como um “porto seguro” do mercado financeiro mundial, nesses momentos de alta volatilidade e incerteza a procura pelo metal aumenta consideravelmente. Como consequência da lei da oferta e da procura, seu valor sobe. 

O investimento nessa commodity está muito em voga (para não dizer “na moda”) e, antes mesmo de inferir que esse ativo é adequado a sua carteira, é muito importante reconhecer que o ouro, assim como qualquer outro tipo de investimento, não deve ser considerado somente por conta de uma dica ou para seguir um “efeito manada” qualquer.

Dessa forma, antes de concluir que estamos diante do fim dos tempos e que todos precisam de ouro em suas carteiras é de suma importância considerar que uma boa carteira é diversificada e tem ativos que atendam as expectativas e os apetites de risco de cada perfil de investidor. O respeitado gestor Ray Dalio[2], em sua estratégia de diversificação de ativos, chama isso de paridade de risco. De acordo com ele, uma carteira diversificada com várias classes de ativos e equilibrada pela volatilidade de cada um deles apresentará mais retorno que uma carteira tradicional. Ao diversificar a sua carteira – idealmente para Dalio a “carteira ideal” deverá ter pelo menos 15 ativos não relacionados para reduzir o fator de risco em 80% – e buscar um mix estratégico de alocação de ativos, a chance de se sair bem em diferentes cenários aumenta consideravelmente. Nessa linha, faz-se fundamental entender que o ouro pode ser um complemento de suma relevância na carteira de qualquer investidor.

Considerando que os contratos de ouro na B3 tiveram expressiva valorização nos últimos 12 meses, partindo de R$ 204,00 (30/09/19) para R$ 340,10 (29/09/20), ou seja, 66,7% no período, parece ser pertinente que investidores, tanto conservadores (pelo aspecto de proteção do ativo) quanto os mais arrojados, tenham em seus portfólios uma parcela de sua alocação em ouro.

Complementarmente temos que, com base em dados históricos, o preço do ouro se beneficia em momentos economicamente desafiadores e, apesar de sua recente valorização, percebe-se um potencial positivo em relação a sua perspectiva de valorização a longo prazo. Mesmo que tenhamos visto uma expressiva valorização dos mercados de renda variável por todo o globo, causada em parte por juros baixos na maior parte das economias relevantes, existe um elemento de proteção bastante interessante na alocação de um percentual da carteira em ativos mais defensivos e atemporais como o ouro, que tende a funcionar como uma proteção aos riscos de cauda nos mercados. Se avaliamos tempestades atravessadas no passado, identificamos essa visão de “porto seguro” em cenários de estresse de mercado tais quais o de 2008: enquanto as bolsas americanas derretiam (o S&P recuou mais de 55%), o metal teve uma expressiva valorização de 25%.

Outro ponto bastante relevante de uma alocação nessa commodity é que ela costuma ser significativamente descorrelacionada de outras classes de ativos, corroborando a visão de Ray Dalio e beneficiando o portfólio como um todo.

Finalmente, cabe mencionar que existem riscos relacionados aos investimentos no ouro: basicamente, além dos elementos conjunturais de mercado citados acima, seus riscos também têm relação com a oferta e demanda do metal no mundo e com o valor da nossa moeda nacional em relação ao dólar. Ademais, é preciso observar as políticas monetárias dos países, os fluxos de importação e exportação do metal, os períodos de sazonalidade e fatores naturais que possam afetar a extração do minério dourado.

Caso o investidor queira seguir adiante e fazer o investimento nesse ativo, alguns cuidados adicionais deverão ser observados: com relação à sua compra ou sua venda (manuseio; roubo; transporte) e quanto ao seu armazenamento e sua segurança (no caso do metal físico). Já na gestão dos ativos negociados via B3 ou corretora de valores (caso de ações, COE e fundos), é determinante avaliar quem é o responsável pela custódia desses ativos e qual é o valor cobrado por esses serviços. Uma alta taxa de custódia pode consumir parte importante dos seus rendimentos.


[1] Bloomberg; Valor Online; Infomoney.

[2] Ray Dalio: Raymond Dalio (nascido em 08 de agosto de 1949) é um americano bilionário investidor, gerente de fundo de hedge e filantropo. Dalio é o fundador da empresa de investimento Bridgewater Associates, um dos maiores fundos de hedge do mundo.

Felipe Monteiro de Barros Whitaker é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected]

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Texto publicado no site Época Negócios em 27 de outubro de 2020.

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