Blockchain, criptoativos: vamos conhecer esse mercado?
Glauco Cavalcanti é CEO e sócio-fundador da BLP Asset.
Muito escutamos nestes anos “eu gosto do Blockchain, mas não gosto do Bitcoin”. Para mim, isso soa da mesma forma como “eu gosto da lógica booleana, mas não gosto de computação”, ou ainda: “gosto do motor à combustão, mas não gosto do avião e sim do automóvel”, pois a criação de um está ligada ao uso do outro.
O Blockchain é uma estrutura de dados relativamente primitiva em relação aos bancos de dados. Se, no final da década de 80, eu apresentasse o Blockchain como o “ovo de Colombo” que desencadearia a revolução que estamos vivendo, certamente eu viraria motivo de piada porque, já naquela época, seria uma estrutura de dados simples. Se eu falasse em criptografia, então, seria assunto já usual inclusive com cadeira própria no currículo. A mágica aconteceu no contínuo avanço dos 3 pilares: Processamento, Memória (armazenamento) e Telecomunicação.
“Eu descobri que um dos grandes detentores de Bitcoin do mundo, por um tempo, foi o FBI”
O Blockchain é como um livro notarial em um cartório, pois:
(I) Não existem rasuras, apenas averbações;
(II) Tem fé pública, então, eu não preciso confiar na outra parte, nem a outra parte em mim (conceito de No-trust);
(III) É totalmente livre e transparente para qualquer um consultar (neste caso ainda melhor, pois a consulta é gratuita);
(IV) Ao contrário da consulta que é livre, o registro depende de você se identificar com a sua chave (seu RG, sua identidade), ou seja, só altera o registro quem tem poder e desejo para isso;
(V) É seguro e indestrutível, pois no caso do Bitcoin, existem aproximadamente 12.000 cópias idênticas dele espalhadas pelo mundo em tempo real;
(VI) As regras são públicas e claras, pois o código-fonte do programa é aberto, previsível e imutável;
(VII) É democrático e livre, pois os cartorários (mineradores) trabalham pelo honesto e legítimo incentivo de receber comissões;
(VIII) É autônomo, pois os cartorários podem aderir à rede ou se desligar dela como bem entenderem, sem nenhuma capacidade de manipulação;
(IX) A Rede que mantém o livro é autorregulável, de acordo com o uso a todo instante, respondendo à principal lei da oferta e da procura pelo serviço de atualização; e
(X) É facilmente auditável, pois é uma contabilidade perfeita e imediata.
Cinco pontos para considerar:
#1- Questão da Legalidade
O primeiro ponto de atenção é a questão da Legalidade. Minha atração pelo Bitcoin se deu apenas em 2017, mas desde 2015, eu comecei a ouvir sobre ele e a tecnologia Blockchain. Mesmo para mim que vim da área de computação, era um assunto complexo e sempre ligado às teses libertárias ou ligado às atividades ilícitas.
Em junho de 2017, meus atuais sócios vieram me “catequizar” e, só então, eu comecei a prestar atenção e a entender. Ainda não queria me meter em algo que talvez fosse, digamos, não tão ilícito, mas “na fronteira”. Então, eu descobri que um dos grandes detentores de Bitcoin do mundo, por um tempo, foi o FBI. O FBI que capturou alguns contraventores na internet (Silk Road) e confiscou seus Bitcoins. Sabemos que, quando a polícia confisca bens ilícitos como drogas, por exemplo, ela incinera. No caso dos Bitcoins, o FBI vendeu em um leilão e quem comprou foi Tim Draper, famoso investidor do vale do Silício. Então, eu pensei: “se o FBI pode vender, então eu posso comprar”. Neste mesmo dia, eu chamei os dois amigos e falei que iríamos montar o primeiro fundo de criptoativos (não só Bitcoin) do Brasil na BLP e, assim, fizemos um fundo como se fosse um fundo de ações convencional, com uma gestão ativa, conhecido como “Long-Only Value”.
#2 – Cenário econômico global e da classe de ativos
(I) As condições econômicas que inspiraram o Bitcoin, como o QE (Quantitative Easing – livre emissão de dinheiro), o fim dos juros reais no planeta e a grande mudança de realidade na política monetária mundial estarão em 2021 ainda mais presentes;
(II) A regulação (fiscal, financeira e dos mercados de capitais) já mostrou, variando de país para país, ter entendido que as mudanças não só são inexoráveis, como poderão ser construtivas, mesmo para o atual establishment. Em 2021, seguirá fortalecendo e tornando o ambiente regulatório mais claro e seguro;
(III) A tecnologia seguirá avançando no hardware em seus três pilares: Processamento, Armazenamento e, principalmente, Telecomunicações, devido ao 5G;
(IV) A tecnologia seguirá avançando também no software, com cada vez mais desenvolvedores no ecossistema produzindo códigos úteis e melhores;
(V) Muitos projetos, os chamados DeFi (Decentralized Finance) e Dapps (Decentralized Applications) começarão a atrair a atenção das empresas da “atual economia” como bolsas de valores e bancos. Estes já perceberam que negociações de ativos digitais e empréstimos podem ser feitos simplesmente através de um programa, ou seja, um blockchain descentralizado, sem risco de crédito, fraudes, erros ou liquidação e, adicionalmente, com custos baixíssimos;
(VI) As exchanges e custódias de ativos digitais se consolidarão em 2021 como grandes empresas protagonistas deste novo mundo;
(VII) Empresas como a Paypal, que aceitarão transações em Bitcoin, pavimentarão a infraestrutura necessária para o maior uso das criptomoedas;
(VIII) ETFs de criptos surgirão nas “bolsas convencionais”;
(IX) Investidores institucionais como fundos de pensão, seguradoras, endowments e fundos soberanos entrarão de verdade neste mercado (alguns já declararam pequenos investimentos em 2020).
#3 – Evolução do ecossistema
Para compreensão deste novo universo, podemos traçar um paralelo entre Internet 1.0, Internet 2.0 e a Internet atual. O que mudou dos primórdios para cá? Lembram que, na década de 90, todo mundo queria ganhar dinheiro com sites? Pois é. Atualmente, todos querem ganhar dinheiro com “criptos ou tokens”, sem considerar que os criptoativos podem ser tão diferentes entre si como são o Waze e o Instagram.
#4 – Valuation e portfólio
As coisas demoram a refletir no preço dos ativos. Tendemos a superestimar as mudanças tecnológicas no curto e a subestimar no longo prazo. Este tipo de coisa cria um boom inicial, seguido de uma forte queda e, depois, de uma lenta e longa apreciação. Exatamente como foi a crise da Nasdaq em 2000, e talvez tenha sido as criptos em 2018 (sem descartar possíveis novas realizações).
#5 – Percentual máximo de alocação recomendado
Se você decidir investir em criptos, aloque um percentual pequeno do seu portfólio nisso, no máximo 5%. Ainda assim, divida esse valor em 5x e vá investindo aos poucos. A volatilidade é muito grande, justamente por causa da incerteza. No entanto, a convexidade é alta, pois você tem pouco a perder, mas muito a ganhar.
Conclusão
Compreender a mudança que vem por aí é bem mais difícil desta vez e a mudança será bem maior agora. Além da desintermediação e dos ganhos de produtividade que a Internet trouxe, os ativos digitais adicionarão mudanças nunca vistas aos conceitos de propriedade, representatividade, segurança, transparência, política e governança. E esta é a boa notícia para os novos investidores: ainda pouca gente investe em ativos digitais. Este mundo ainda está apenas no início.
“É mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito”
Albert Einstein