Como ensinar os filhos sobre administração de dinheiro e alfabetização financeira?
Regilaine Specia de Arruda, CFP®, responde:
Educar financeiramente pode ser um desafio para os pais. Abordar questões sobre como administrar as finanças pessoais percorre assuntos que incluem as formas como o dinheiro se apresenta, como ganhar e gastar, crédito, investimentos e até mesmo abordagens comportamentais. Nesse ponto, pais que não dominam esses temas e seus próprios sentimentos quanto ao dinheiro podem – ainda que sem intenção – desenvolver em seus filhos conceitos e crenças desfavoráveis sobre o assunto.
De acordo com a teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, a infância passa por quatro fases. O conhecimento é construído por meio de interações com objetos, ideias e pessoas, em um processo de aprendizado.
A educação financeira pode ser iniciada a partir da segunda fase, dos 2 aos 7 anos. Nessa etapa, as crianças começam a desenvolver um pensamento intuitivo e passam a dominar a linguagem. É uma fase em que elas prestam atenção em tudo, são como esponjas que absorvem o que está ao seu redor. Vivenciam, tocam, experimentam… E o visual faz muita diferença. Essa é uma etapa para usar a forma física das coisas para o aprendizado. Mostrar as formas com que o dinheiro se apresenta, como notas e moedas, brincar com um cartão de débito vencido e inutilizado, ensinando que é preciso depositar o dinheiro primeiro para depois sacar. Utilizar jogos e brincadeiras – diminuindo e aumentando o volume em um pote, por exemplo – é uma boa maneira de mostrar e introduzir questões matemáticas como adição e subtração, sempre mostrando que o dinheiro não surge do nada, que é preciso que haja primeiro um movimento de ganhar, para depois gastar.
Já na terceira fase, que vai dos 7 aos 12 anos, as crianças passam a ampliar o raciocínio lógico, passam a formular soluções mentais para problemas reais e a consolidar as informações recebidas anteriormente, fazendo novas conexões. Esse é o momento de trabalhar o uso inteligente dos recursos, ensinar a gastar com sabedoria, com objetivos, reforçar que é preciso saber esperar para entenderem que nem sempre se pode ter tudo exatamente no momento em que se quer. É também uma fase para falar sobre as formas de ganhar dinheiro, seja trabalhando para alguém ou empreendendo, estimular que as crianças usem a criatividade para entender que dinheiro se faz, se ganha, e que ele não surge sozinho. Jogos e a realização de pequenas tarefas são importantes ferramentas de educação. Para aqueles que preferirem, o uso da mesada pode ser introduzido para que a criança aprenda a controlar seu próprio dinheiro e entenda que, se ela gastar demais, ficará sem dinheiro até o próximo recebimento e sofrerá as consequências disso.
É exatamente nessas duas fases já mencionadas que as crenças sobre dinheiro se formam. Por isso, é essencial prestar atenção aos comportamentos. É importante ajudar os filhos a definirem metas, traçarem planos e aprenderem a esperar o tempo necessário para concretizar objetivos. É preciso monitorar comportamentos imediatistas e ansiosos para evitar que possam se tornar pessoas endividadas no futuro. Nessas fases, as crenças de que dinheiro é algo ruim ou que deve ser objeto de adoração podem ser implantadas pela forma como a família trata do assunto.
Na última fase, a partir dos 12 anos, as crianças já começam a adquirir um desenvolvimento cognitivo mais parecido com o dos adultos. O raciocínio está mais elaborado, conceitos matemáticos estão mais avançados e temas como juros, crédito e investimentos podem ser incorporados e praticados, seja por meio de uma conta bancária do menor sob a supervisão do adulto ou por meio de diálogos sobre essas questões, envolvendo as crianças inclusive nas decisões familiares – no planejamento de uma viagem de férias, por exemplo. É importante mostrar que, para uma boa administração financeira, não basta gastar exatamente o que se ganha. É preciso reservar uma parcela para os planos futuros e aprender sobre curto, médio e longo prazos.
Para educar financeiramente os filhos, não há uma forma única. Filhos aprendem sobretudo por observação e repetem comportamentos dos pais. Os pais já educados financeiramente podem ter maior facilidade nesse processo, mas, para aquelas famílias que não administram bem as suas finanças, o assunto pode ser desafiador. Por isso, é importante reconhecer como o dinheiro é tratado em casa. Os pais precisam olhar primeiro para si mesmos para depois ensinarem seus filhos.
Regilaine Specia de Arruda é planejadora financeira pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro. E-mail: [email protected]
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Texto publicado no site Época Negócios em 21 de Maio de 2024