Quando se deve cumprir vontades expressas em testamento?
“Após a morte do meu pai, descobri uma escritura pública que determina que a parte disponível da herança deve ser direcionada à criação de uma fundação dedicada ao desenvolvimento de tecnologias alternativas de armazenamento de energia. Nenhum dos herdeiros tem familiaridade com o tema. Temos alguma outra opção?”
André Portolomeos, CFP®, responde:
O Código Civil prevê a possibilidade de sucessão testamentária sobre a parte disponível da herança. Considera ainda como legítima a sucessão por pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.
O instituidor de uma fundação realiza, por escritura pública ou testamento, a dotação especial de bens livres e suficientes ao fim a que ela se destina e, caso queira, declara a maneira de administrá-la.
Os herdeiros indagam se haveria alguma outra opção de destinação à parte disponível da herança, tendo em vista que não possuem familiaridade com a finalidade prevista para a fundação determinada pela vontade do testador.
No caso em particular, a existência de uma escritura indica que foi utilizada a forma de testamento público para a manifestação da vontade do testador. Uma opção a avaliar seria um questionamento judicial sobre diversos aspectos do referido testamento público. Por exemplo, quanto aos seus requisitos essenciais.
Prescreve o artigo 1864 do Código Civil como requisitos essenciais do testamento: 1) ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; 2) lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo, ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; e 3) ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Outro ponto a avaliar seria a possível anulabilidade de eventuais disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação.
O Poder Judiciário será necessariamente o responsável pela análise de validade do testamento. Esse será aberto e registrado no Judiciário, aguardando-se o “cumpra-se” para que seja possível o inventário. Para que o inventário possa ser feito em cartório, todos os herdeiros deverão ser maiores e capazes, havendo também consenso quanto à partilha dos bens e participação de um advogado na escritura.
Sobre a finalidade informada da referida fundação, dentre diversas outras possibilidades, o nosso Código Civil prescreve que as fundações podem ser constituídas para pesquisa científica e desenvolvimento de tecnologias alternativas. Quanto à falta de familiaridade dos herdeiros com a finalidade da fundação, provavelmente essa não seria entendida como um obstáculo para impedir a sua constituição. Nada impediria que a referida fundação viesse a ser organizada e administrada por profissionais capacitados, designados pelos herdeiros.
Por fim, recomenda-se a devida avaliação dos detalhes do caso em concreto por advogado especializado em direito sucessório antes de uma decisão. Lembrando que, em caso de interpretações distintas quanto às cláusulas testamentárias, prevalecerá em juízo a que melhor assegure a observância da vontade do testador.
André Portolomeos é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros. E-mail: [email protected].
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Texto publicado no jornal Valor Econômico em 14 de janeiro de 2019