Educação financeira: um legado da pandemia

Eliane Habib, CFP®, sócia-fundadora da Practa Treinamento
Fabiano Calil, CFP®, sócio-fundador da Escola Clínica Fabiano Calil
Raphael Palone, CFP®, sócio e diretor da FK Partners

“Nunca antes assistimos a uma interrupção educacional nessa escala.”

Audrey Azoulay, Diretora-Geral da Unesco

A pandemia provocada pelo coronavírus gerou uma outra realidade: Incertezas tanto em relação à doença quanto em relação à retomada da economia. “Neste cenário, as pessoas simplesmente param”, comenta Raphael Palone, sócio e diretor da FK Partners. “Entretanto acho importante nunca perder essa visão de que eventos são dialéticos. Nada é um bom absoluto ou um ruim absoluto. A gente sempre pode encarar pelos dois lados, e a pandemia mostrou isso. Muitos profissionais do mercado financeiro que perderam seus empregos perceberam que a maneira de se recolocar é com network e educação. As escolas conseguem ajudar nas duas pontas”.

Eliane Habib, sócia-fundadora da Practa Treinamento, ressalta que a pandemia acelerou o processo de ensino à distância que já estava na mesa. “Enfrentamos grandes desafios em tempo recorde: investimento em tecnologia, capacitação da equipe, novas metodologias e novas maneiras de comunicar. Importante salientar que, neste Brasil de dimensões continentais, infraestrutura de internet é um fator crítico, e que é preciso levar educação de qualidade utilizando plataformas que possam ser acessadas de qualquer dispositivo, inclusive onde não há banda larga disponível.”

“Nós enxergamos nosso mercado de atuação por meio de pessoas em sofrimento e angústia precisando tomar decisões em momentos de imensa incerteza” comenta Fabiano Calil, sócio-fundador da Escola Clínica Fabiano Calil. “Vemos mais pessoas buscando por uma atividade em seu dia a dia que lhe dê vontade de sair da cama, que se sintam contribuindo com a humanidade e a transformação das pessoas. Nossa bandeira humana ganhou ênfase.”

A pandemia mudou nossos hábitos de consumo. Será para sempre? “Se você olhar para a História, só vai ver mudanças de cultura e hábitos em uma perspectiva de longo prazo. Quando o carro foi inventado, após décadas o normal ainda era andar a cavalo”, comenta Palone. “Durante a quarentena a gente percebeu que consegue viver com muito menos do que vivia normalmente. Tem família cujo gasto mensal caiu 35 a 40%. Mas isso será temporário. Depois que reabrir, as pessoas vão voltar ao velho normal, ao menos as que continuarem com renda.”

Quanto às mudanças na educação, Habib aposta no equilíbrio entre ensino à distância e presencial. “A troca de ideias, experiências e raciocínios entre colegas, assim como a construção de network fica mais limitada no ensino 100% à distância.  Hoje, por força das circunstâncias, estamos no momento ‘tudo à distância’. Com o passar da crise encontraremos um equilíbrio saudável entre o autoestudo e as aulas presenciais. O mais interessante deste processo é que estamos todos aprendendo e descobrindo o que funciona e o que não funciona. O momento é muito rico para mudanças, mas sem dúvida, há muitas incertezas sobre quais são as reais necessidades e os novos skills necessários aos profissionais pós-pandemia.”

Calil vê com otimismo o que está por vir. “Passamos a olhar de maneira mais sincera e honesta para nós mesmos. Fomos convidados a olhar para nosso automatismo, para a cor “bege” nas nossas vidas, para todas as relações mornas que preservávamos. Muitas relações, carreiras e negócios foram repensados, atitudes foram e estão sendo tomadas. Vemos com ótimos olhos o que virá.”

Falando especificamente em educação financeira, os três são unânimes: “A educação e o planejamento financeiro ganharam voz na pandemia” avalia Fabiano. “A ilusão dos ganhos fáceis e rápidos perde força, o esforço do trabalho e das escolhas pensando no amanhã enfim terão espaço digno.” Habib complementa: “Estamos numa pausa forçada para reflexão. Nunca foi tão clara a importância de construir reservas de emergência e da liquidez nos investimentos. O investidor desavisado já sentiu que investir não é coisa para amador.” Palone reforça: “A educação financeira obriga as pessoas a se conhecerem, se são pessoas mais arrojadas ou mais conservadoras e também se precisam de um padrão de vida muito confortável ou se estão fazendo isso só por inércia da sociedade. “

“Daqui para frente, seremos menos competitivos, menos engravatados e mais fraternos e solidários com nossos semelhantes.”

Em relação ao papel do planejador e do planejamento financeiro neste “novo normal”, Palone define este momento como uma “oportunidade de ouro” do planejador financeiro para ganhar a confiança dos clientes. “O planejador financeiro não é só o técnico, é o profissional que faz da maneira correta. Queremos ganhar a admiração dos clientes também por isso.”

Habib ressalta que o cliente finalmente percebeu a importância de buscar olhar profissional, técnico e independente sobre suas finanças pessoais. O planejador financeiro precisa estar preparado, desenvolvendo novos conhecimentos num momento em que novas alternativas e estruturas complexas de gestão de patrimônio estão sendo cada vez mais ofertadas aos seus clientes. “Assim como precisamos nos exercitar todo dia para manter um corpo saudável, fazer terapia para manter a mente saudável, precisamos consultar o planejador financeiro para colocar as finanças pessoais no rumo correto”.

Calil complementa: “Depois dos robôs advisors, das fintechs e da Inteligência artificial, restará aos colegas de profissão, cuidar do que um dia denominamos de soft skills.” Novas dores e diferentes demandas que o profissional deverá atender: “Minha visão é de que o humano ganhará tônica frente as finanças”, acrescenta. “Assim, imagino que daqui para frente, seremos menos competitivos, menos engravatados e mais fraternos e solidários com nossos semelhantes.”

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