Investimento, produto ou serviço?

Poupar é renunciar aos prazeres do presente pela possibilidade de se alcançar algo melhor no futuro. Os recursos desviados do consumo hoje implicam deixar de comprar algo que propiciaria satisfação imediata para formar uma reserva que faça frente a projetos maiores, tais como uma casa nova, uma viagem ou mesmo a manutenção de um padrão de vida razoável na aposentadoria.

Estes recursos são normalmente aplicados em produtos de investimento com objetivo de, ao menos, preservar seu poder de compra, evitando a depreciação provocada pela inflação, embora seja razoável que se busquem rentabilidades equivalentes, pelo menos, as taxas de juros livres de risco.

O futuro, contudo, é incerto

Não há como se garantir o alcance dos objetivos traçados no ato do investimento e, por vezes, nem mesmo o capital inicial investido. A decisão de investimento é, portanto, difícil e angustiante, pois trocamos o certo pelo duvidoso. A despeito deste ambiente intrincado e inquietante que envolve a decisão de investimento, ainda hoje parece subsistir excessiva atenção aos produtos de investimento em detrimento do investidor. De maneira geral, despendemos tanto tempo e energia com relatórios sobre risco e retorno, tentando entender a evolução dos preços dos ativos e justificar seus desvios, que, por vezes, acabamos até criando um impulso indesejado em direção à realocação prematura dos recursos.

“O investidor racional poderia pensar como Albert Eisnten, armazenar tanta memória quanto o Big Blue da IBM e ter a força de vontade de Mahatma Ghandi.”

Thaler e Sustein (2009)

Embora não haja uma explicação comprovada para este desbalanceamento, uma hipótese subjacente é que o paradigma da racionalidade ilimitada, o Homo economicus, conceito cunhado no seio da economia neoclássica, ainda exerça forte influência na maneira como especialistas e executivos enxergam o negócio de gestão de recursos e distribuição de produtos de investimento.

Como satirizam Thaler e Sustein (2009) o investidor racional poderia pensar como Albert Eisnten, armazenar tanta memória quanto o Big Blue da IBM e ter a força de vontade de Mahatma Ghandi. Este ser humano idealizado, com certeza, seria capaz de recolher todas as informações, analisar probabilidades e calcular curvas de risco e retorno que lhe deixariam tranquilo sobre a assertividade de suas decisões. Os riscos incorridos, nesse caso, seriam, certamente, compensados pelos retornos superiores.

A proposta deste artigo é discutir a necessidade de se migrar de uma orientação ao produto para outra orientada ao cliente. Neste sentido, não existe produto de investimento sem investidor. Dito de outra forma, o produto de investimento é um componente da prestação de serviço que tem como foco o investidor.

Desde Simon (1955) já se têm notícias sobre as limitações da teoria normativa. Segundo o autor, os psicólogos cognitivos apontaram os limites para a racionalidade. Para eles o desafio era substituir a racionalidade econômica do homem por alguma forma de racionalidade comportamental, ou seja, compatível com sua capacidade de processamento. Sobre este assunto, Tversky e Kahneman (1974) deram uma grande contribuição ao estudarem a utilização de regras simplificadoras, heurísticas, na tomada de decisão. Ou seja, em processos de análise e julgamento das informações as pessoas tentam minimizar o esforço cognitivo e se valem destas regras de bolso para atalharem o caminho que, por vezes, podem levar a erros sistemáticos de avaliação.

Em anos posteriores, a evolução do conhecimento vem indicando que nos utilizamos de modo inconsciente de uma forma dupla ou alternativa de processamento de informações: uma mais rápida, de pouco esforço e emotiva, e outra mais lenta, esforçada e racional, usualmente chamadas de sistema 1 e sistema 2, respectivamente.

Em pesquisa1 recente com 450 investidores, buscou-se decompor a importância dos fatores na formação de preferência entre diferentes alternativas de investimento, os resultados indicaram que, entre retorno, risco e liquidez, as pessoas atribuem maior peso à recomendação do gerente, que responde por quase 1/3 da decisão (Bessa, 2016).

Segundo Estelami (2012), investir exige um conjunto de conhecimentos, tais como economia, instrumentos financeiros e conhecimentos de estatística, que tornam esta decisão complicada para a maioria das pessoas e criam dúvidas e receios que causam medo e tensão. Esta complexidade inerente dos serviços financeiros torna as interações entre profissionais de atendimento e seus clientes um aspecto relevante da prestação do serviço. Esta relação exerce grande influência na formação da percepção do cliente sobre a empresa e a qualidade de seus serviços. Vale aqui destacar que a definição de qualidade em serviço está associada a uma atitude de longo prazo do cliente formada no decorrer de várias transações em que sua expectativa foi atendida ou superada.

Assim, a satisfação alcançada em cada experiência é determinante para que o cliente forme convicção sobre a qualidade.

O processo de captura e atendimento aos investidores pode contemplar desde um aconselhamento ou consultoria mais aprofundada até uma mera recomendação; contudo, qualquer que seja o caso, sempre terá lugar uma relação em que alguém que se supõe tecnicamente qualificado orienta a decisão de outro que precisa de ajuda.

Esta é uma relação que Shainesh (2012) classifica como de alta importância e envolvimento do cliente que então experimenta uma sensação de vulnerabilidade. Neste momento, ao trazer conhecimento e transmitir a sensação de segurança ao investidor, o profissional pode ajudar a mitigar a percepção de risco.

O modelo concebido por Gallouj e Weinstein (1997) enfatiza a questão da experiência do serviço que implica a interação entre cliente-provedor e está calcado no conhecimento e nas competências da firma, incluindo aquelas possuídas também pelos indivíduos provedores dos serviços, e dos clientes. A tecnologia colabora de forma determinante para alcançar o resultado final. O modelo é, portanto, uma síntese da inter-relação das competências de provedor e consumidor dos serviços.

Artigos Gráficos

Sirdeshmukh, Singh e Sabol (2002) estudaram a importância dos profissionais de atendimento (FLE, front line employee) e das políticas e práticas experimentadas diretamente pelos consumidores no encontro (MPP, management policies and practices) na formação da confiança entre consumidor e provedor de serviço. Os autores decompuseram a confiabilidade nas dimensões competência operacional, benevolência e orientação à resolução de problemas, e desenvolveram um modelo que identificou a influência de cada dimensão na confiança. Os autores, de fato, identificaram que FLE e MPP são fatores críticos para a formação da confiança; contudo, encontram efeitos assimétricos em relação às dimensões.

No caso do FLE, foco deste artigo, a benevolência apresenta efeito dominante negativo (uma unidade de desempenho negativo tem efeito maior que uma unidade de desempenho positivo) enquanto a orientação à resolução de problemas é dominante positiva (uma unidade de desempenho positivo tem efeito maior que uma unidade de desempenho negativo).

Por fim, identificou-se que a percepção de valor (diferença entre benefícios e custos na manutenção do relacionamento) tem efeito de mediar a relação entre confiança e lealdade. Segundo os autores, a interação entre FLE e os consumidores exerce papel crucial na formação da percepção favorável dos clientes sobre os serviços e a companhia. Em serviços intensivos em pessoas, a qualidade é largamente de terminada pelas habilidades e atitudes dos profissionais que interagem com os clientes. Neste contexto, a confiança pode atuar junto à percepção de risco, mitigando-a e aumentando a possibilidade de o investidor se engajar em um processo de tomada de risco.

Vale lembrar dois conceitos relacionados à confiança: o primeiro associado à vontade de crer, acreditar em um parceiro que lhe transmita a sensação de confiabilidade, e o segundo associado à necessidade de um parceiro que reduza sua insegurança e fragilidade, alguém em que se possa confiar e que traga conforto. O emaranhado de ideias até aqui desvelado busca esboçar um arcabouço conceitual que situa o cliente no centro no negócio.

Nos dias atuais, em que o mundo torna-se mais diverso

A evolução tecnológica caminha aceleradamente e o ímpeto da digitalização capacita as empresas a recolher mais informações sobre hábitos e comportamentos das pessoas, não parece fazer sentido desprezar a interação com os clientes.

Colocar o cliente no centro da estratégia de negócios significa preparar pessoas, processos e sistemas para identificar seus anseios, compartilhar conhecimento e uma relação de confiança.

Investir, por definição, é um trade off, cria insegurança e suscita a aversão à perda no momento da seleção e sempre que tivermos de reavaliar o portfólio.

Posto desta forma, parece um tanto óbvio; contudo, crenças, hábitos e modelos operacionais costumam ser mais resistentes do que parecem à primeira vista. É preciso alinhar a estratégia desde a identificação das necessidades, interesses e restrições até a formulação de indicadores para medir a satisfação e o volume de relacionamento dos clientes, que deve funcionar como a principal referência para orientar incentivos e recompensas destas organizações.

Produtos que entreguem retornos, ou, para alguns, relações de risco e retorno, compatíveis com as expectativas traçadas no momento do investimento, são fundamentais. Sem resultados positivos e condizentes ou superiores aos dos concorrentes no longo prazo, é difícil reter clientes. Mas isso não é mais suficiente para criar relacionamentos de longo prazo que garantam a sustentabilidade do negócio de gestão de recursos e de distribuição de produtos de investimento.

As pessoas não são irracionais, em processos decisórios simples como rentabilidades maiores ou menores não há dúvida sobre a escolha. Mas em situações complexas, em que existam trade offs, a emoção assume papel fundamental na decisão. Investir por definição é um trade off, cria insegurança e suscita a aversão à perda não apenas no momento da seleção, mas sempre que tivermos de reavaliar o portfólio e decidir sobre manter ou realocar.

Neste contexto, mais do que gráficos, relatórios e explicações sobre o desempenho das aplicações, o que parece amainar a tensão e mitigar a percepção de risco é poder contar com alguém em que se confie.

E a confiança prepara o terreno para a criação dos relacionamentos. Assim como um paciente não considera mudar de médico quando um remédio não surte o feito desejado, não há sentido em um cliente sacar recursos e desprezar recomendações quando o desempenho de uma aplicação fica aquém das expectativas. Uma única transação não deveria ser responsável por formar uma opinião sobre o serviço.

Gerentes, especialistas ou consultores tem um papel fundamental na criação do relacionamento de longo prazo. Cabe a eles criar o ambiente e possibilitar a experiência que emane confiança e pavimente o caminho para conquistar a lealdade que, por fim, garantirá a sustentabilidade do negócio. Em serviços, existem sólidas evidências de que, quanto maior o tempo de relacionamento, mais alto o valor do cliente (customer lifetime value) e, portanto, da empresa.

Um desafio adicional é colocado pelas fintechs, qual seja: como transformar a satisfação gerada em cada transação em confiança. Big data e algoritmos são ou, em algum momento, serão capazes de decodificar os investidores e efetuar recomendações eficazes; contudo, a questão é se conseguirão criar vínculos que gerem relacionamento e lealdade. De outra forma, caso não se consiga, o risco subjacente é que a competição se dê em torno dos preços, com potencial para comprometer a qualidade do serviço e a capacidade de inovação.

Por fim, não há dúvida de que o produto de investimento é importante. Taxas de retorno elevadas geram clientes satisfeitos com a transação, mas não necessariamente vínculos duradouros. Mais do que bons desempenhos em suas aplicações, os investidores querem sentir que podem confiar e compartilhar suas decisões. O que estes clientes desejam é um serviço de aconselhamento e acompanhamento que mitigue sua percepção de risco, evite o desconforto cognitivo e crie relações de longo prazo.

1. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-09062016-153716/pt-br.php.

BESSA, H. (2016) A Hierarquia de Preferência do Consumidor em Decisões de Investimento Financeiro. Tese de Doutorado, FEA-USP. Disponível em: 
http://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/12/12139/tde-09062016-153716/pt-br.php.

ESTELAMI, H. (2012) Marketing Financial Services. Indianapolis: Dog Ear Publishing.

GALLOUJ, F., WEINSTEIN, O. (1997) “Innovation in Services”, Research Policy. Vol. 26, pp. 537-556.

SHAINESH, G. (2012) “Effects of Trustworthiness and Trust on Loyalty Intentions – Validating a Parsimonious Model in Banking”, International Journal of Bank Marketing. 30(4), pp. 267-279.

SIMON, H. (1955)“A Behavioral Model of Rational Choice”. The Quartely Journal of Economics. 69(1), pp. 99-118.

SIRDESHMUKH, D.; SINGH, J. & SABOL, B. (2002)

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