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Investimentos offshore no cenário atual

Sr. Guilhermo tem hoje 65 anos, aprendeu com os erros de seu pai no passado e decidiu que, para ter um futuro tranquilo, seria necessário ter disciplina com suas finanças. Apesar de viver em um país com economia pujante, quarto maior PIB per capta do planeta, Sr. Guilhermo não quis entregar seu futuro nas mãos do governo e conseguiu, com muita disciplina, investir rigorosamente todos os meses durante mais de 30 anos uma parte de seu salário em uma carteira de investimentos diversificada com diferentes classes de ativos, como manda o manual do bom investidor de longo prazo. Apesar de muita dedicação ao longo desses anos, e diferentemente do que você leitor possa imaginar, hoje Sr. Guilhermo sequer consegue se alimentar sem depender de favores. O erro dele? Ter nascido na Venezuela e ter focado todos seus investimentos em um país cuja economia se deteriorou tanto que a inflação beira os 10.000% ao ano.

Apesar de termos a maior economia da América Latina, o Brasil representa menos de 3% do PIB mundial e cerca de 1% da renda variável global. O Home Bias brasileiro (tendência de o investidor alocar capital localmente) parece ser um dos maiores do mundo. Um investidor brasileiro investe, na média, 99% de seu patrimônio no próprio país. Dentre muitas razões, há três grandes gatilhos para esse comportamento:

1. Eu nasci no Brasil

Se não faz sentido para um australiano investir 100% do seu patrimônio no Brasil, por que faz sentido para um brasileiro? Simplesmente pelo fato de ter nascido aqui? Com 97% do PIB mundial fora do país do futebol, onde estatisticamente é mais provável ocorrer a descoberta de uma vacina eficaz contra a pandemia? Onde é mais provável a criação de um carro elétrico de alto desempenho? A construção de um império de lanchonetes com operação no mundo inteiro? O desenvolvimento de um site que possibilite às pessoas comprarem produtos a um clique de distância? Você entendeu onde quero chegar. Privar-se de estar exposto às maiores descobertas da humanidade pelo fato de ter nascido em um determinado país não se mostrou eficiente ao longo da história. Até o investidor americano, inserido na maior economia do mundo, investe cerca de 30% de seu patrimônio fora dos EUA. A título de comparação, investidores chilenos e colombianos investem globalmente cerca de 60% e 40%, respectivamente.

2. O dólar está caro, vou esperar um melhor momento

Vale fazer uma reflexão sobre a frase acima.

a) muitos ativos internacionais são negociados em dólar, o que traz uma alta demanda global para a moeda; além disso, historicamente a inflação americana ficou substancialmente abaixo da brasileira ao longo do tempo. Enquanto a inflação brasileira de 2000 até hoje foi de 234% (IPCA), a inflação norte americana (CPI) ficou em apenas 50%. Com isso, algo que você comprava por U$ 100 no ano 2000, hoje custaria U$ 150. No Brasil, algo que custasse R$ 100 nos anos 2000 custaria nada menos que R$ 334 hoje. 

b) dólar caro é relativo. Em finanças comportamentais, existe um viés que chamamos de ancoragem ocorrido quando nosso cérebro “ancora” em informações e números para julgar uma situação. Nosso cérebro tende a pegar atalhos para justificar se um determinado ativo está caro ou barato baseado em um valor de referência que, não raramente, é uma cotação recente. Quando o dólar, pouco depois da crise financeira de 2008, bateu R$ 2,40, tínhamos a clara percepção que estava caro, pois três meses atrás a moeda custava R$ 1,60. O mesmo aconteceu em diversos outros momentos ao longo da história e, provavelmente, continuará acontecendo ao longo do tempo.

O fato é que, devido à extrema complexidade para descobrir (se é que isso é possível) o valor justo do dólar no curto prazo, a tendência de longo prazo é o dólar se valorizar frente ao real, mesmo que isso implique em grandes correções ao longo do tempo. Um estudo feito pela Vanguard, uma das maiores gestoras de recursos do mundo, concluiu que, para o resultado de um portfólio como um todo, apenas12% diz respeito ao market timing e 88% ao asset allocation ao longo do tempo. Em outras palavras, é melhor estar alocado do que tentar acertar na mosca.

Considerando que o dólar existe há mais de 240 anos e nunca cortou zeros ou teve hiperinflação, enquanto o Brasil desde 1808 teve 10 tipos diferentes de moedas, cortou 12 zeros e vivenciou alguns capítulos de hiperinflação, qual moeda você preferiria ter como reserva de valor: dólares ou reais?

3. Rentabilidade

A enorme taxa de juros histórica no Brasil compensava, de certa forma, a expressiva deterioração do real frente ao dólar e deixava os investidores “preguiçosos” para se aventurar no mundo offshore. Com a taxa Selic no patamar mais baixo da história, os investidores, pela primeira vez, se deparam com uma rentabilidade real negativa, o que compromete a manutenção do padrão de vida. Isso resulta na necessidade de acessar investimentos com retornos mais expressivos. Em outras palavras, nunca foi tão arriscado no Brasil ser demasiadamente conservador.

‍Enquanto aqui temos por volta de 350 empresas listadas, nos EUA há mais de 3 mil empresas na Bolsa. Enquanto a receita da grande maioria das empresas da bolsa brasileira vem do consumo interno, as empresas do S&P500 (índice que reúne as 500 maiores empresas dos Estados Unidos) possuem, em média, 40% de sua receita vindos de fora da terra do Tio Sam.

No índice da bolsa brasileira com uma concentração demasiada em empresas financeiras e de commodities, é praticamente impossível achar uma boa empresa de tecnologia para se investir. Nos índices dos mercados desenvolvidos, no entanto, a concentração de setores é muito mais pulverizada.

Espero que considerem, caso já não o façam, a diversificação global do patrimônio. Hoje, existem diversas formas de investir globalmente, seja abrindo conta em uma instituição financeira no exterior, seja via fundos de investimentos internacionais na sua própria instituição brasileira.

Diante dos fatores descritos, a pergunta mais sensata não deveria ser “Por que investir offshore?”, mas sim: “Por que NÃO investir offshore?”

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