O aprendizado pela dor

O aprendizado pela dor

Entrevistado: Aquiles Mosca, diretor comercial de marketing e digital no BNP Paribas Asset Management Brazil e também presidente do grupo consultivo de educação da Anbima.

O brasileiro sofre com a crise sanitária, mas aprende “na marra” a controlar despesas,  poupar e buscar rentabilidade além da caderneta de poupança

Uma pessoa “gastona”, que não poupa e nem pensa no dia de amanhã. Um cidadão com padrão de consumo norte-americano, mas que mora num país constantemente abalado por instabilidades, principalmente, econômicas. Reconheceu alguém com esse perfil?

Pois essa é a descrição do investidor brasileiro revelada pela pesquisa “Raio X do Investidor”, feita anualmente desde 2018 pela Anbima, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, junto com o Instituto Datafolha. No levantamento de 2020, a crise sanitária mostrou ter causado forte impacto na vida do brasileiro.

Aquiles Mosca, diretor comercial de marketing e digital no BNP Paribas Asset Management Brazil e também presidente do grupo consultivo de educação da Anbima, chamou a atenção para este momento peculiar vivido pelo investidor brasileiro que aprendeu pela dor a importância da reserva financeira para o enfrentamento de situações adversas.  “A pesquisa mostrou que 62% dos brasileiros entraram na pandemia sem ter poupança, reserva de emergência ou um real guardado para enfrentar alguma adversidade”, destaca Mosca. O desemprego saltou de 12% para 19% e a renda diminuiu. Dentro deste contexto, claro que o número de investidores no país sofreria retração. Subiu de 41.8% (2018) para quase 44% (2019), mas regrediu para menos de 39.5% no ano passado. “Quem tinha dinheiro guardado começou a consumir os investimentos que tinha, principalmente a parcela da população que perdeu o emprego ou teve alguma redução de renda”, afirma Mosca.

“62% dos brasileiros entraram na pandemia sem ter poupança, reserva de emergência ou um real guardado para enfrentar alguma diversidade”

Mas a pesquisa também mostrou algo positivo. As pessoas que mantiveram emprego e renda passaram a poupar mais e aumentaram a capacidade de investir. “Quem não poupava, passou a poupar e quem poupava, passou a poupar mais”, celebra Mosca. E a resposta para o aumento da poupança foi a impossibilidade do brasileiro gastar com lazer: cinema, teatro, viagens, alimentação fora do domicílio, festas e compras desnecessárias. “Exatamente no controle desse tipo de despesa que está a chave para se conseguir poupar mais e o brasileiro, a duras penas, descobriu que era capaz de poupar mais e ter mais controle e gestão sobre seus gastos variáveis”, explica.

A privação forçada dos prazeres da vida aconteceu, principalmente, nas classes A e B com pessoas que mantiveram emprego e até aumentaram a renda porque têm mais facilidade de trabalhar e forma remota. No entanto, a pesquisa mostrou que a classe C reduziu investimentos.

Outra constatação importante foi sobre a busca por investimentos de maior risco e maior rentabilidade. “Até então, os ativos reais apareciam como opção número um, ou seja, imóvel, automóvel, entre outros. Em 2020, os produtos financeiros passaram a ocupar o primeiro lugar, imóvel veio para segundo, automóvel em terceiro e investimentos na família (cursos, por exemplo) ocuparam o quarto lugar”, explica Mosca. Bolsa de valores, títulos privados de renda fixa, fundos multimercado e de ações, criptomoedas ganharam espaço e, pela primeira vez na série histórica, a poupança ficou para trás. “A essência do investimento conservador perdeu espaço na carteira dos investidores. Ficou com menos de 1/3 do destino dos recursos que são poupados”. O brasileiro também buscou mais informação sobre finanças e, num mar de conteúdo que a internet oferece, ficou sujeito à toda sorte de tempestades e perigos. Cursos, podcasts, youtubers tiveram audiência dobrada em 2020. Segundo Aquiles Mosca, a pandemia fez com que as pessoas tivessem mais tempo para dedicar ao tema educação financeira. Mas também ficaram sujeitas a informações erradas e até a armadilhas financeiras. “No ano passado, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) registrou um recorde no número de fraudes financeiras e as pessoas estão muito vulneráveis. Só de pirâmide financeira em 2020, o regulador identificou 175 esquemas”, alertou.

“As pessoas culpam a renda quando, na verdade, o problema é a despesa”

Principalmente neste momento, o planejador financeiro desempenha um papel essencial de orientar as pessoas e evitar que tenham prejuízos. “Ele é capaz de traduzir tudo isso, desde os conceitos mais básicos de orçamento familiar até um investimento mais complexo, desmistificar, orientar, educar e estruturar as ações que o investidor vai tomar com consciência”, defende Mosca. E após o fim da pandemia? Será que o brasileiro vai aproveitar o aprendizado durante a crise? Aquiles Mosca destaca que nos países com bom controle da Covid pela vacinação em massa, como Nova Zelândia, Israel e Inglaterra, as pessoas estão gastando mais. “Ficou aquela demanda reprimida, aquele consumo reprimido durante muitos meses, agora, com um pouco mais de liberdade, estão gastando como nunca. Até mais do que gastava antes da pandemia”. Por isso, fica aqui um conselho: “A gente faz pesquisa com a classe média brasileira perguntando por que poupa tão pouco e a resposta vem por causa de ganhos insuficientes. As pessoas culpam a renda quando, na verdade, o problema é a despesa”, alerta.

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