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O mercado imobiliário e a migração para ativos mais arriscados

De que as taxas de juros básicos da economia brasileira em patamares minimamente históricos vieram para ficar aparentemente ninguém mais dúvida. Analisando as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) dos últimos anos, fica clara a tendência de queda da taxa básica de juros a partir de outubro de 2016, culminando na mínima histórica de 5% ao ano após a reunião de outubro de 2019.

Meta de Taxa Selic (% aa)

Meta da Taxa Selic

Além disso, de acordo com o relatório Focus do Banco Central do Brasil, publicado na última semana de outubro, as expectativas do mercado giram em torno de 4,5% ao ano para a meta da Taxa Selic no final de 2019 e de 3,29% para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ao fim desse mesmo ano. Com isso, pode-se concluir o óbvio: não somente os juros nominais no Brasil encontram-se nas mínimas históricas, mas também os juros reais se aproximam de 1% ao ano.

Como era de se esperar, temos observado um movimento constante e consistente de investidores em busca de aplicações mais arriscadas em função do retorno cada vez mais baixo de ativos com pouco risco. Prova disso é a captação líquida de apenas R$ 2,3 bilhões da caderneta de poupança até o início de outubro de 2019 contra R$ 38,26 bilhões de aportes líquidos registrados em 2018 nessa modalidade, conforme dados do Banco Central.

Investidores estão buscando aplicações mais arriscadas em função do retorno cada vez mais baixo de ativos com pouco risco.

É importante ressaltar que essa pequena captação em 2019, comparada com o valor mais expressivo de 2018, foi ainda afetada positivamente pela liberação do crédito depositado em conta poupança a partir
de meados de setembro para trabalhadores com recursos disponíveis no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Ou seja, sem esse evento extraordinário os números de captação da caderneta seriam ainda piores.

Por sua vez, a indústria de fundos de investimento multimercado e de ações está batendo recordes de captações. Considerando o intervalo de doze meses encerrado em outubro de 2019, cerca de R$ 65 bilhões foram captados por cada modalidade, ao passo que fundos de renda fixa captaram menos de R$ 20 bilhões nesse mesmo período, conforme o Consolidado Diário de Fundos de Investimento da Anbima.

Detalhando as captações por estratégia, 87% dos recursos captados por fundos de ações foram direcionados para fundos ativos e 83% dos recursos aplicados em fundos multimercados foram aportados em multimercados classificados como Estratégias, evidenciando não somente a busca dos investidores por fundos mais arrojados, mas também o apetite para risco dentro de cada classe.

Captação Líquida (em R$ milhões)

Captação Líquida

No movimento de migração para ativos mais arriscados, ganha destaque também o mercado imobiliário. Segundo dados do Secovi-SP, o valor médio de locação de imóveis residenciais na cidade de São Paulo subiu 5,90% nos doze meses encerrados em setembro de 2019. Já o volume de unidades residenciais novas vendidas na cidade no mesmo período acumulou 40.239, contra 29.859 nos doze meses encerrados em janeiro de 2019. Por se tratar de um tipo de investimento bem peculiar, há uma série de fatores que precisa ser levada em conta e que muitas vezes não é considerada quando se analisam aplicações em ativos financeiros mais tradicionais.

Por conta disso, a CFP® Professional Magazine conversou com Ismael José de Andrade Júnior, superintendente de Estratégia e Inovação da Zurich Seguros. Ismael atuou por mais de 15 anos na indústria financeira em áreas relacionadas com negócios imobiliários e gestão de funding por meio de instrumentos de captação para o setor, como LCIs, poupança, CRIs, FIIs, e participou da criação da LIG no Brasil.


CFP® Professional Magazine: O mercado imobiliário passou por um período difícil nos últimos anos por conta do fraco desempenho da economia brasileira nesse período. Como está atualmente a relação oferta x demanda nesse mercado?

Ismael: Os estoques de imóveis já estão em patamares bastante aceitáveis, pois nos últimos anos houve forte redução de lançamentos de imóveis novos nas principais cidades brasileiras e, mais recentemente, a velocidade de venda de imóveis também voltou a dar sinais de recuperação.

Com a queda na taxa de juros, a melhora nas condições econômicas, o aumento da confiança do consumidor e o aumento da oferta de crédito, certamente o consumidor vai voltar às compras. É de olho nessa demanda que já vemos as incorporadoras lançando novos imóveis por várias regiões do Brasil, principalmente nas grandes capitais e regiões metropolitanas.

“Os estoques de imóveis já
estão em patamares bastante
aceitáveis e a velocidade de venda também voltou a dar sinais de recuperação.”

Ismael José de Andrade Júnior

Olhando para o futuro com um farol mais alto, estamos em um país que, apesar de ter tido redução da taxa de crescimento populacional, ainda vai crescer bastante nos próximos anos. Hoje somos 210 milhões de brasileiros e, conforme projeção do IBGE, seremos 223,8 milhões em 2029, um incremento de 13,8 milhões de pessoas.

Para se ter uma ideia, apenas esse delta representa 1,4 vez o tamanho da população de Portugal e 2,5 vezes a população da Dinamarca, o que certamente vai gerar maior demanda por imóveis.

Importante destacar que teremos um aumento considerável da população acima de 60 anos, o que gera oportunidade para a produção de imóveis mais adequados para atender às necessidades desse perfil de pessoas.

Cresceremos ainda mais até atingir 233 milhões de brasileiros em 2044 e somente a partir desse ponto começaremos a reduzir de tamanho, segundo projeções do IBGE. Dessa forma, pelo menos aqui no Brasil, teremos demanda por imóvel por muitos e muitos anos.


CFP® Professional Magazine: Quais os impactos para a indústria no cenário atual de baixa inflação e taxa de juros?

Ismael: O cenário atual contribui fortemente para o setor de construção civil, que depende de capital elevado para desenvolver projetos que podem levar até 4 ou 5 anos para se pagar.

Com a redução das taxas de juros, o custo do funding também se reduz na mesma proporção, uma vez que está atrelado à taxa Selic ou ao CDI, como é o caso da poupança (70% da Selic) e das LCIs (média de 90% do CDI). Isso permite aos bancos reduzir as taxas de juros de crédito imobiliário, conforme temos visto recentemente no Brasil.

Além disso, outros instrumentos de captação de recursos devem ganhar espaço no Brasil, como a Letra Imobiliária Garantida (LIG), que conta com dupla garantia (o emissor e a carteira lastro da operação), e a própria evolução do mercado de securitização via oferta de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). Tais instrumentos contribuem para o alongamento dos prazos de captação, reduzindo o risco de descasamento de prazo entre ativo e passivo nos bancos que carregam crédito imobiliário por longos anos.

“Com a redução das taxas de juros, o custo do funding também reduz, o que permite aos bancos reduzir as taxas de juros de crédito imobiliário.”

Ismael José de Andrade Júnior

CFP® Professional Magazine: O que vem pela frente na visão dos construtores/incorporadores e dos consumidores?

Ismael: Os incorporadores e construtores são empresários que contribuem para o equilíbrio entre oferta e demanda no mercado imobiliário, uma vez que produzem novos imóveis para fazer frente à demanda crescente. São empresários experientes e que estão focados em produzir imóveis cada vez mais atrativos e modernos para a clientela. Em um cenário econômico mais favorável, eles certamente farão a sua parte!

O lado da demanda é protagonizado pelos compradores que dependem fortemente da oferta de crédito para conseguir comprar um bem de tão alto valor como o imóvel. Sem crédito, as pessoas levariam anos para comprar um imóvel.

Apenas como exemplo, uma família com R$ 20 mil reais de renda mensal levaria 12,5 anos para comprar um imóvel de R$ 600 mil aplicando mensalmente 20% da sua renda, isso considerando uma taxa de remuneração do investimento igual à taxa de valorização do imóvel durante esses anos.

Há também uma mudança de comportamento, principalmente pelos mais jovens, que não querem mais comprar imóveis, mas preferem viver de aluguel. Esse movimento cria uma oportunidade de produção de imóveis para atender à necessidade desse novo tipo de cliente, atraindo também investidores para a compra de imóveis para locação para diversificação do portfólio de investimentos.

Em resumo, o movimento de busca por ativos mais arriscados é uma realidade no Brasil e as perspectivas são de intensificação desse movimento. Para o planejador financeiro CFP®, é fundamental a compreensão dos riscos envolvidos com tais aplicações para melhor orientar clientes e famílias.

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