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Rivalidade ou convergência?

As plataformas que prometem autonomia aos investidores realmente ameaçam a profissão de planejador financeiro?

As inovações tecnológicas que provocam as chamadas “disrupturas” em diferentes setores da economia, em geral, causam alvoroço e estranheza, principalmente quando ameaçam a existência de postos de trabalho. Mas, a história mostra que, com o tempo, as novidades que realmente fizeram a diferença são assimiladas, enfrentam menos resistência e, muitas vezes, acabam por oferecer vantagens a todas as pessoas inseridas em determinado mercado.

Parece que não será diferente com as plataformas de investimentos que prometem autonomia para clientes nas aplicações financeiras. Se os profissionais já haviam separado o joio do trigo, agora, o público também já demonstra maturidade e aprendeu a ser mais seletivo ao não aceitar tecnologias que não tragam benefícios reais. Na opinião de José Falcão, analista de investimentos da Easynvest, uma das pioneiras neste setor, a digitalização tornou o mercado financeiro democrático e mais transparente, mas não rouba espaço do planejador financeiro. O efeito foi tornar o trabalho deste profissional mais dinâmico. “Há alguns anos, o planejador financeiro precisava de mais tempo dedicado para o atendimento ao cliente, que ia desde consultas iniciais até orientações para implementar as sugestões de investimentos. Com o avanço das plataformas digitais, o investidor ganha agilidade e independência na operacionalização e, em contrapartida, o planejador financeiro ganha mais tempo e consegue escalar mais os seus serviços, além de conseguir recomendar produtos mais baratos e de melhor qualidade para seus clientes”, explica Falcão.

O contexto atual no Brasil é de maior busca por alternativas de investimentos mais rentáveis e, por consequência, mais arriscadas. A crise econômica causada pela pandemia do corona vírus promoveu uma queda histórica dos juros básicos no país, o que diminuiu a atratividade de investimentos com base em renda fixa. Como consequência, todos os perfis de clientes precisaram se movimentar e procurar profissionais, plataformas ou ambos para garantir rendimento. Os avanços tecnológicos no sistema bancário, propostos e regulamentados pelo Banco Central, a exemplo do PIX para agilizar transferências de valores e do “open banking” para a troca de dados de clientes, devem impulsionar as inovações.

“Se esses robôs são tão eficientes para ganhar dinheiro, por que estas pessoas precisam captar dinheiro de terceiros?”

Christiano Ehlers, diretor executivo da BS2 Asset Management,vê com ressalvas o que é oferecido no momento pelas plataformas. “Hoje, há um nível de manualidade dos usuários bastante grande ou mesmo para o próprio planejador, e isso dificulta o atendimento a muitas pessoas porque tem cliente com várias contas em diferentes lugares com muitos ativos, e você tentar consolidar numa plataforma só com um trabalho que acaba sendo bastante braçal”. Para Ehlers, o open banking permitirá que todos entreguem as informações em um formato possível de ser reunido em um software para ser automatizado. “Eu acho que, aí sim, o mercado vai acelerar bastante”, conclui.

A evolução do mercado e o maior acesso das pessoas às plataformas não representam uma ameaça ao atendimento personalizado na opinião de Hugo Daniel Azevedo, diretor executivo da Órama. Ele lembra de maneira muito simples o quanto a tecnologia ainda precisa avançar para ser mais inclusiva. “Um exemplo é a prestação de contas anual para o imposto de renda. Não existe nenhuma ferramenta automática que te ajude a fazer isso. O próprio programa da Receita Federal tem uma série de erros e muitas melhorias ainda não realizadas”, explica. Azevedo aproveita e lança uma provocação: “Se esses robôs são tão eficientes para ganhar dinheiro, por que estas pessoas precisam captar dinheiro de terceiros? É só colocar o robô operando com o próprio dinheiro delas. Em algum momento, vai ter dinheiro suficiente para ser maior do que um fundo (de investimentos). Igual àquela história de quem escreve livro vendendo receita para ficar rico. Se tivesse receita de bolo para ficar rico, o pessoal não precisava vender livro”, ironiza.

Rodolfo Riechert, CEO da Genial, é otimista com os avanços conquistados para as plataformas que permitiram o maior acesso de pessoas mais jovens à bolsa de valores nos últimos dois anos. No entanto, ele alerta que as tecnologias ainda deixam muito a desejar no atendimento ao cliente, o que abre uma possibilidade futura de maior inovação em benefício do planejador financeiro. No cenário previsto por Riechert com plataformas mais completas, o profissional continuará a oferecer o serviço personalizado que faz a diferença nas finanças de uma família ou empresa, mas terá uma carteira muito maior de clientes. “Os modelos são incompletos. A tendência para o futuro é a gente “sujar” as plataformas atuais no sentido de colocar um pouco da nossa opinião, usar um pouco mais o comportamental de massa, e uma maneira ainda mais personalizada do que a gente tem hoje”, explica.

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