A capacidade de se reinventar

Digitalizadas nos últimos anos, as corretoras pouco sofrem impacto da pandemia e surfam a onda de maior busca por bolsa de valores devido à pouca atratividade da renda fixa

Uma rotina incansável de transmissões ao vivo pela internet tem sido vista desde o início da quarentena entre as principais corretoras de valores mobiliários do Brasil. Estas instituições não só mergulharam de cabeça na onda de lives para não perderem o vínculo com os clientes, mas também usaram esta nova comunicação como meio de educação financeira, marketing e, por que não dizer, canal de comunicação com autoridades e pessoas chave de diferentes segmentos da sociedade. A divulgação de conteúdo pelas corretoras tornou-se tão intensa quanto de uma empresa de comunicação, tamanho o nível de periodicidade e profissionalismo nas exibições.

O Youtube foi uma das principais plataformas de transmissão deste conteúdo que fica disponível nos canais das corretoras para visualização após a exibição ao vivo, em uma espécie de biblioteca organizada por temas que facilita o acesso do investidor em busca de assuntos específicos.

“Eu sempre acreditei que a melhor maneira de você mudar a mentalidade do brasileiro não era convencendo ele a comprar um produto seu e sim levando para ele educação”, conta Guilherme Benchimol, CEO e fundador da XP Inc. A corretora teve o desafio de esvaziar os escritórios no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, dias antes da quarentena após ter registrado entre os funcionários o segundo caso de contágio no Brasil. “Parecia ser o maior azar de todos, mas foi a maior sorte de todas. Em menos de uma semana, a gente já tinha 90% da empresa, 3 mil funcionários, trabalhando em home office”. Desde então, a XP aproveitou a necessidade de adaptação à nova realidade para revolucionar processos e o conceito de trabalho remoto acabou adotado como regra permanente na companhia, em uma política batizada de “XP de Qualquer Lugar”.

“Abriu-se uma avenida fantástica para o planejador financeiro com mais produtividade e a facilidade de reuniões de maneira remota”

Da mesma maneira, o BTG Pactual encarou a crise sem o “s” da palavra como uma voz de comando: “crie”. Ampliou a produção de lives para os clientes com a participação de grandes personalidades nacionais e estrangeiras, além de transformar o sócio sênior do banco, André Esteves, em anfitrião permanente toda segunda-feira, final de tarde. O conteúdo é gratuito e acessível a milhares de investidores ávidos por informações neste novo contexto econômico: taxa básica de juros na mínima histórica que inviabiliza os investimentos em renda fixa, historicamente a grande concorrente da bolsa de valores. “O número de CPF® vem aumentando muito na bolsa de valores durante este período de pandemia porque as pessoas são incentivadas a buscar melhores maneiras de fazer o dinheiro render”, explica Marcelo Flora, sócio responsável pelo BTG Pactual digital. Uma realidade mais desafiadora que os ganhos fáceis antes proporcionados pela renda fixa e que vai exigir muito o auxílio do especialista no mercado. Ele terá maior demanda a partir de agora e, com a intensificação do uso dos meios digitais de comunicação, terá a capacidade de ampliar a quantidade de consultorias em sua rotina. “Abriu-se uma avenida fantástica para o planejador financeiro com mais produtividade e a facilidade de reuniões de maneira remota”, celebra Flora.

O susto com a queda acentuada no valor dos ativos registrada em março acabou dando lugar a um apetite por preços atraentes no mercado nos meses seguintes. Nesta esteira, os processos de abertura de capital de empresas na bolsa recuaram por um momento, mas logo retornaram diante da necessidade de captação de recursos para fortalecer o caixa em meio à crise. “O IPO é uma alternativa de funding para a empresa investir e vimos aqui no Brasil e em outros países as companhias usando o mercado para reforçar sua estrutura de capital”, explica Flora.

A rápida retomada dos negócios na bolsa também livrou a Guide Investimentos de um impacto maior. Segundo Fernando Cardoso, presidente da corretora, embora as metas não tenham sido plenamente alcançadas no período mais crítico, não houve perdas significativas. “Até o primeiro trimestre, antes da pandemia, o nosso crescimento era de 77%. Em abril e maio, embora sofrendo um pouco, o crescimento foi de 60% comparado ao ano anterior”.

Cardoso explica que a corretora já vinha recebendo novos clientes em busca de atendimento mais próximo e especializado que não encontravam em grandes bancos.  Ele acredita que esse processo vai se acelerar. “Hoje, todas as corretoras têm uma experiência digital muito madura de alguns anos em que o cliente faz o onboarding e consegue realizar todas as transações digitalmente, de modo a acompanhar o portfólio com uma facilidade que já estava disponível”.  

A partir disso, uma tendência que vinha sendo observada no Brasil e deve ganhar maturidade é a migração da taxa de transação para a taxa de consultoria, conforme ocorreu nos Estados Unidos. Segundo Cardoso, atualmente, dois terços dos clientes norte-americanos são cobrados por uma taxa de gestão, de aconselhamento, e não a cada transação feita. “Isso potencializa a figura do planejador financeiro que está menos conflitada com o cliente porque só recebe pela prestação de serviços”, explica.

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