CFP Magazine

Dilemas éticos no exercício da profissão de planejador financeiro

Dilemas éticos permeiam as nossas vidas. Navegamos eternamente entre o que uns acham adequado, aquilo que é mais valorizado por outros e as diversas interpretações que cada regra estabelecida recebe.

Em uma de suas célebres frases, Oscar Wilde associou ética ao conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. Em oposição à ética, o renomado poeta irlandês entendia que o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando seria o caráter.

Os dilemas acentuam-se em períodos nos quais a educação privilegia a individualidade ao coletivo, à criatividade, ao seguimento rigoroso do texto e à obediência; em épocas de regulação muito abrangente e frequentemente mais confusa, por excesso de detalhamento; naquelas em que os valores ficam difusos ou se perdem por falta ou excesso de dogmatismos; ou, ainda, quando a pressão para obter resultados é mais desafiadora.

No âmbito do Código de Ética e Conduta Profissional dos Planejadores com a Certificação de distinção CFP®, o primeiro princípio é o de colocar o cliente em primeiro lugar. Mesmo que as palavras e o espírito pareçam absolutamente claros, é preciso também o bom senso de cada um para enxergar o alcance e as eventuais limitações de tal princípio, e o rigor necessário para seguir esse entendimento sem ceder a eventuais tentações e vieses. Nem aos seus, nem aos de outros.

A ação de forma honesta, sem colocar ganhos ou vantagens pessoais acima dos interesses do cliente, é o objetivo que se busca. Peça-chave talvez seja a gestão apropriada dos eventuais conflitos de interesse que podem surgir a qualquer momento, com isenção e transparência.

Em seu âmago, os códigos de conduta nos 26 países representados por organizações afiliadas ao FPSB, entidade que encabeça todas aquelas devidamente autorizadas para outorgar a certificação CFP® no mundo, são muito semelhantes.

“Chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando.”

Oscar Wilde

Independentemente disso, os dilemas parecem ser intrínsecos à natureza humana, com seus desejos, tantas vezes antagônicos, como a segurança e o risco, a harmonia e a proeminência, o bem comum e a vantagem pessoal, o individualismo e a coletividade.

Colocar o cliente em primeiro lugar não equivale ao profissional se prejudicar, seja do ponto de vista legal, seja do moral ou do econômico. Da mesma forma, deve existir a opção de servir ou não determinado cliente dentro de um modelo de negócios e de uma política de remuneração transparentes, e não ficar à mercê de expectativas não necessariamente realistas dos que buscam seus serviços.

Mas qual a responsabilidade de cada um no planejamento financeiro? Cabe ao bom profissional também deixar isso claro nas suas interações com clientes, ou com aqueles que ainda não o são.

Recentemente, o CFP® Board, órgão certificador e detentor da marca CFP® nos EUA, revisou diversos pontos do seu código. Destaco aqui o desmembramento do passo inicial do que conhecemos como “6-step process”.

CFP Board

O estabelecimento e a definição do relacionamento ficam mais claramente detalhados nos componentes financeiros e pessoais, com a identificação dos objetivos sendo detalhada num passo específico. Privilegiar tempo na anamnese e nas conversas iniciais, das quais faz parte a gestão das expectativas, está implícito.

Temos acompanhado discussões acaloradas entre profissionais da área, autorreguladores e outros interessados sobre os modelos de remuneração e como minimizar riscos de conflitos de interesse. O pêndulo tende a se movimentar de forma exagerada de um extremo ao outro.

Após décadas de poucos avanços em questões de proteção dos elos mais frágeis, como consumidores finais, surgiu a tendência de um certo paternalismo e de excesso de regulação, de pretensos “donos da verdade” e de construção de regras excludentes em nome de evitar abusos e crises sistêmicas. Alguns enxergam a solução no sentido da tutela dos clientes e dos profissionais, nos mais diversos aspectos da organização do trabalho e de modelos de negócios destes.

A experiência nos ensina que a educação sólida e não enviesada, o compartilhamento e a discussão aberta de informações, as regras curtas e claras sobre os poucos “mandamentos” essenciais para que haja lisura, e a responsabilização imparcial e consequente dos poucos que eventualmente os transgridam trazem frutos sustentáveis. Manter uma discussão aberta e respeitar as diferenças pode ser mais construtivo e produtivo a médio e longo prazo do que querer controlar cada passo do processo. Não se deve confundir isso com permissividade nem com desfeita às leis ou a outros conjuntos de regras e normas devidamente estabelecidas e acordadas.

A tentativa de minimizar conflitos de interesse, por exemplo através de licenças ou modelos de remuneração mutuamente excludentes, tem levado à criação de alternativas criativas para seguir atendendo as demandas e os interesses dos diversos atores. Isso pode gerar uma falsa sensação de segurança. Por exemplo, pode levar a uma pseudosegregação através de estruturas juridicamente separadas.

Em paralelo, a discussão sobre a responsabilidade fiduciária tem ganhado bastante fôlego, em especial também nos EUA, na Inglaterra e na Austrália. A instituição ou o profissional responsável pelo aconselhamento, além de análise criteriosa do ponto de vista da “suitability”, tem a responsabilidade fiduciária de oferecer o que acredita ser, realmente, a melhor opção para o cliente. Cliente em primeiro lugar, honestidade e transparência absoluta e compreensível parecem ótimos ingredientes para relacionamentos profícuos e duradouros.

1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *