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O que são Fintechs?

2016 certamente foi o ano em que o mercado financeiro não teve outro assunto: tudo girou em torno desta revolução que vem ganhando cada dia mais força no país e que, no exterior, já movimenta bilhões de dólares, enquanto no Brasil já captou mais de R$ 1 bilhão em investimentos. Estamos falando do fenômeno das Fintechs.

Fintechs são empresas ou iniciativas, que fazem uso intensivo de tecnologia, e entregam novos modelos de negócios em serviços financeiros.

Vamos repassar cada um desses pontos:

Empresas ou iniciativas: Apesar das startups serem os principais propulsores deste movimento, as mudanças também estão sendo promovidas por outros atores, como as próprias instituições financeiras e por iniciativas de outras indústrias. O PayPal foi uma das primeiras Fintechs que surgiram, e hoje é uma gigante do setor de Pagamentos;

Uso intensivo de tecnologia: Vivemos em um mundo conectado e essa conexão se dá principalmente através da tecnologia. Ela permite escalar produtos e serviços com custo reduzido e aumentar o alcance das soluções, transpondo, inclusive, fronteiras entre países. Além disso, as novas tecnologias permitem captura e processamento de quantidades inimagináveis de informação, o que abre espaço para diversas novas oportunidades;

Novos modelos de negócio em serviços financeiros: O setor financeiro é um dos mais tradicionais da economia. Apesar de termos vivenciado evoluções nos últimos tempos, em sua maior parte o foco esteve no aumento da eficiência transacional para os próprios agentes desta indústria. As Fintechs vêm com um olhar diferente, colocando os clientes no centro da sua estratégia e, desta forma, repensando a maneira de resolver problemas.

Compreender cada um desses elementos nos ajuda a explicar como a indústria financeira, umas das que mais investiu em tecnologia nos últimos anos, está sendo tão impactada pelas mudança que estão ocorrendo.

Tecnologia não é tudo

Tecnologia não é fim, é um meio para se atingir um resultado. Pode parecer óbvio, mas não é. Em especial quando consideramos que grandes organizações carregam um passivo de tecnologias e plataformas obsoletas em seu parque. São tantas necessidades de melhoria que o orçamento (apesar de gigantesco) é pequeno. São tantos projetos que a execução se torna complexa.

Tudo isso vem temperado com uma questão primordial: a falta de propósito ou, em alguns casos, propósitos mal definidos pelas organizações. Explico. Uma vez que seu foco seja simplesmente o ganho financeiro, seu esforço estará voltado para encontrar o caminho mais fácil para alcançar esse objetivo. Tal caminho não é, comumente, o da melhoria de serviços e da inovação. Para simplificarmos, considere dois fatores: a cobrança de resultado por parte de acionistas e a forma como metas e objetivos são cascateados para o restante da organização.

Não é de hoje que os usuários do sistema financeiro sofrem com custos elevados, taxas de juros exorbitantes e atendimentos que deixam muito a desejar. Quantos casos ouvimos de gerentes de conta “empurrando” produtos, ou mesmo com o discurso de “me ajuda a bater minha meta”? Deixo o meu testemunho: o gerente de conta do meu avô o convenceu a retirar o pouco investimento que tinha de sua aplicação e “investir” tudo em títulos de capitalização. Sim, um caso de má fé… mas ilustra meu ponto: o caminho mais rápido para atingir um propósito mal estabelecido.

O caminho para inovar passa por apontar o seu propósito para fora, para as pessoas. Buscar formas de resolver suas angústias e problemas do dia a dia. Como eu gosto de falar: “Help to get the job done”, sem complicação, com preço justo.

E isso é exatamente o oposto do que a indústria financeira fez nos últimos anos. Vou dar alguns exemplos simples de como, ao invés de facilitar a vida das pessoas, na verdade se formou uma cultura de empurrar problemas para as pessoas resolverem:

Por que uma pessoa tem que conhecer termos como DOC-C, DOC-D, TED? Não bastaria saber para onde o valor está sendo transferido e quem é o beneficiário?

Por que o formato do extrato da conta corrente, do cartão de crédito e dos investimentos são diferentes uns dos outros? Todos seguem uma mesma lógica de créditos e débitos; no entanto, torna-se complicado conciliar as finanças dessa forma;

Por que os comprovantes de uma transação não ficam vinculados a ela no próprio extrato?

Esses são apenas alguns exemplos simples. Poderíamos passar horas e horas nos perguntando por que as coisas não são diferentes. O ponto é que, justamente ao fazermos essas perguntas, diversas oportunidades de negócio surgem.

A evolução das Fintechs no Brasil

O lançamento do primeiro Radar FintechLab foi feito em Agosto de 2015, há aproximadamente um ano e meio. Na ocasião, havíamos mapeado aproximadamente 50 iniciativas de Fintech no mercado nacional. Em fevereiro de 2016, já chegamos à incrível marca de 244 iniciativas atuando nos mais diversos setores.

A evolução das Fintechs no Brasil

O setor de Pagamentos concentra 32% das iniciativas, que incluem diversos tipos de serviços, como adquirência, subadquirência, plataformas de transferências de recursos, plataformas de cartões de crédito e débito, entre outros. Este é um setor que vem sofrendo pressão para se reinventar há mais tempo, em função da evolução do e-commerce e do aumento da quantidade de pequenos varejistas que vêm demonstrando a necessidade de caminhar no sentido da digitalização da economia. Além disso, foi um setor que teve dois importa ntes marcos regulatórios, um em 2010, com a abertura do mercado de adquirência, quebrando os dois monopólios da VisaNet e Redecard, e outro em 2013, com as diretrizes para arranjos de pagamentos.

O setor de Gestão Financeira é o que vem em segundo lugar, concentrando 18% das iniciativas. Esta é uma área que torna claro o espaço deixado pelos bancos, que sempre estiveram focados em plataformas transacionais. A Gestão Financeira atende tanto pessoas físicas como jurídicas, com serviços que as auxiliam a controlar melhor seu fluxo financeiro e a integrá-lo com outros serviços e soluções.

Em terceiro lugar, temos os setor de Empréstimos, com 13% das iniciativas. Em um país que até hoje dependeu de taxas de juros exorbitantes, não é de se estranhar que venham surgindo iniciativas que questionam essa forma de se fazer negócio. As Fintechs de Empréstimos, de forma simplificada, se dividem em 3 modelos: marketplace, em que capturam e qualificam potenciais clientes que necessitam de recursos financeiros e auxiliam esse cliente a cotar preço em diferentes instituições financeiras, sendo remunerada pela venda do lead qualificado; iniciativas com funding próprio, em que, diferentemente do modelo de marketplace, estas assumem os riscos das operações, sendo que seu funding tem origem própria ou institucional; e, finalmente, o modelo P2P (peer to peer), em que o funding das operações é proveniente de investidores pulverizados, em muitos casos pessoas físicas, que alocam seus recursos em operações específicas ou em carteiras de empréstimos em busca de melhores rendimentos.

O setor de investimentos vem em quarto lugar, com 8% das iniciativas. Este é um exemplo claro de oportunidade para o uso de novas tecnologias, como robo-advisors (assessores robôs) para automatização e simplificação de processos para o cliente final. Costumo dizer que escolher investimento é um assunto analogamente complexo à escolha de um vinho, em que há uma infinidade de variáveis, como uva, região, safra, fora outras como temperatura e formato do copo em que ele será servido. Da mesma forma que essa complexidade afasta diversas pessoas que não querem correr o risco de fazer uma má escolha ao optar por um vinho, isso acontece com a tentativa de escolher entre milhares de opções de investimentos representadas por siglas, como DI, CDB, LCI, LCA e termos, como multimercados, derivativos, taxa de administração, passando por questões técnicas como as diferentes regras para dedução de imposto. As Fintechs de investimento dão um tom mais palatável a esse mundo, pois, ao mesmo tempo que simplifica a linguagem, aumenta a eficiência, uma vez que de maneira centralizada, através do uso intensivo de algoritmos matemáticos, consegue-se otimizar a alocação de recursos de acordo com os objetivos de cada pessoa.

Outros setores do mundo de Fintech são o de Funding (7%), Seguros (6%), Negociação de Dívidas (5%), Cryptocurrencies e DLTs (5%), Câmbio (4%) e Multiserviços (2%), categoria esta que engloba iniciativas que, ao contrário da maioria, especializada em um tema específico, amplia o rol de serviços prestados.

Juntos se vai mais longe

O aumento exponencial de iniciativas veio acompanhado de um grande fortalecimento do ecossistema, em grande parte patrocinado pelas mesmas organizações que temem esse movimento: os bancos e outras instituições financeiras. Parece um contrassenso, mas não é.
“Se não se pode vencê-los, junte-se a eles.” Esta talvez fosse a forma mais simples de explicar o motivo de grandes instituições estarem se aproximando das fintechs. Mas há mais coisas por trás disso. De uma forma mais superficial, pode-se afirmar que existe uma questão de marketing: as instituições querem se apropriar de parte do movimento para se apresentarem como empresas inovadoras.

Vivemos numa era em que moedas virtuais são criadas por algoritmos matemáticos, em que sensores passam a gerar informações de cada aspecto de nossa vida.

De maneira mais profunda, as instituições financeiras possuem uma grande dificuldade de se reinventar, da mesma maneira que um transatlântico não consegue seguir um jetski. Em parte pela habilidade dos condutores, que estão acostumados a comandar um outro tipo de embarcação e, em parte, pela própria embarcação que possui características físicas difíceis de se adequarem a um novo cenário.

Do ponto de vista cultural, aproximar-se de startups é uma forma de mostrar para a organização um maneira diferente de pensar, comandar e realizar. Sob um ponto de vista de infraestrutura, essa atitude muitas vezes abre a porta para o acesso e incorporação de novas tecnologias. Isso fomentou o surgimento de uma grande quantidade de programas corporativos de aceleração e apoio a startups.

Mas o fortalecimento do ecossistema vai além. Testemunhamos o surgimento de Incubadoras e Aceleradoras, organizações que apoiam startups em seus estágios iniciais, ajudando a formatar seus modelos de negócios, dando acesso a mentores, infraestrutura e, em muitos casos, investimento. Sobre este último item, também presenciamos o surgimento de inúmeros fundos de investimento interessados em alocar capital em iniciativas voltadas para o mercado financeiro.

Tivemos em 2016 uma participação maior de órgãos reguladores, como Banco Central e CVM, formando seus grupos de estudo e canais de diálogo com as Fintechs. Do ponto de vista acadêmico, cursos de empreendedorismo em faculdades de ponta têm surgido e vêm sendo cada vez mais procurados.

Mas não é só isso. As Fintechs passaram a agregar-se. Em 2016 foi fundada a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintech), com o objetivo de dar mais organização, corpo e voz para o setor. E não é uma iniciativa isolada. O mercado também já conta com organizações que cobrem temas mais específicos, como a Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), a Equity, voltada para iniciativas de Equity Crowdfunding, e a Abipag, Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos.

Essa especialização tente a ser benéfica para o ecossistema, uma vez que o termo fintech engloba diversos temas diferentes que atuam com regulamentações e atores específicos.

Tudo isso acontecendo em menos de dois anos, o que mostra a tração que o tema vem ganhando. E não é de se espantar quando tomamos consciência de que serviços financeiros vão muito além de bancos pois estão presentes em diversos aspectos da nossa vida. Da mesadas dos filhos ao planejamento de um futuro tranquilo, passando pela concretização de necessidades e sonhos. Isso nos abre um grande horizonte de oportunidades a serem navegadas.

Estamos testemunhando apenas o começo de uma revolução muito maior que está para acontecer. O Facebook já anunciou que irá atuar com serviços financeiros na Europa. A Transferwise já quebrou barreiras para transferência de recursos entre países. Vivemos numa era em que moedas virtuais são criadas por algoritmos matemáticos, em que sensores passam a gerar informações de cada aspecto de nossa vida. Testemunhamos até agora uma pequena, minúscula, amostra do que está por vir.

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