Por que é tão difícil falar em dinheiro?

Conversar sobre dinheiro é delicado. Para muitas pessoas, não importa o gênero, a profissão, religião ou classe social falar sobre a condição financeira é quase um tabu, traz consigo o proibitivo, causa constrangimento e até desconforto. Se você de alguma maneira já se viu nesta situação, saiba que este desconforto é bastante comum, e por motivos que a maioria de nós, nem imagina.

Para o profissional que trabalha com finanças pessoais é imperativo entender este paradigma para ganhar a confiança do outro e entender a si próprio.

Pelo olhar da economia o dinheiro, que tem como uma de suas funções ser o intermediário na troca de mercadorias, também é tido como instrumento de acumulação de riquezas e ainda unidade de conta. Sob o aspecto da sociologia, um dos pontos que chama a atenção é que a quantidade possuída de dinheiro pode classificar socialmente as pessoas e o que em alguns casos evidencia desigualdades sociais.

Indo além, “O dinheiro tem uma variedade de complexos significados psicológicos: pode ser equiparado ao sucesso ou ao fracasso, aceitação social, segurança, amor ou liberdade. Há terapeutas que se especializaram em tratar distúrbios relacionados com o dinheiro; eles relatam que algumas pessoas até se sentem culpadas com o seu sucesso e deliberadamente fazem maus investimentos para reduzir este sentimento”.
Provavelmente para muitos de nós, consciente ou inconscientemente, o dinheiro compra mais que bens e serviços, compra liberdade, felicidade, amor, respeito, amizades, autoestima, beleza, poder entre outras coisas, e a escassez de recursos parece acentuar todas estas crenças e valores. Ficar sem dinheiro, de alguma forma representa perder todas estas “posses” simbólicas adquiridas com recursos financeiros.

“O dinheiro tem complexos significados psicológicos: pode ser equiparado ao sucesso ou ao fracasso, aceitação social, segurança, amor ou liberdade.”

William Shakespeare adaptou para o teatro, o poema “Fausto” do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe que tem uma passagem onde traz à tona esta faceta de poder a que o dinheiro possui. “O que existe para mim por intermédio do dinheiro, aquilo por que eu posso pagar (i. é, que o dinheiro pode comprar), tudo isto sou eu, o possuidor de meu dinheiro. Meu próprio poder é tão grande quanto o dele”. Foi soprada “vida” no dinheiro que ganhou um valor emocional.

Com este papel quase onipotente de “comprar todas as coisas”, o dinheiro preocupa no excesso e na escassez, pode carregar sentimentos dúbios de prazer e de vergonha.

Sigmund Freud, que decifrou tão bem a alma humana, teve uma relação delicada com o dinheiro; ele e sua família passaram por dificuldades financeiras e ele próprio não parecia muito à vontade a discorrer sobre o assunto. Viveram “anos difíceis” em Viena e em relação a este período, Freud diz: “penso que não houve nada a respeito deles (anos difíceis) que valeste a pena lembrar”. Os trechos foram retirados de sua biografia escrita por Peter Gay. Já em 1913, no livro Totem e Tabu Freud diz que, “as questões de dinheiro seriam tratadas pelas pessoas cultas da mesma maneira como assuntos sexuais, com a mesma inconsistência, pudor e hipocrisia” e muito provavelmente porque, como diz a professora Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em Psicologia Social e referência em Psicologia Econômica no Brasil, “Dinheiro nunca é só dinheiro, tem todo um simbolismo por trás dele”.

Ainda assim, com toda esta riqueza de detalhes e simbolismos, conseguimos (ou pelo menos tentamos) a “proeza” de traduzir todos os bens materiais em dinheiro. Todas as posses e a renda de uma pessoa devem ser traduzidas e resumidas numa demonstração financeira, a Declaração de Imposto de Renda: um balanço e uma demonstração de lucros e perdas. Isto tudo pode significar um reducionismo bastante assustador… Para um casal, conversar sobre dinheiro pode simbolizar uma “DR” (discutir a relação), mas de uma forma extremamente reducionista: todas as paixões, dramas, alegrias e vivências reduzidas a números, e a um número final: deu lucro, ou deu prejuízo? Se deu prejuízo, significa que a relação acabou? O valor pessoal é completamente independente do balanço patrimonial, mas parece sedutoramente fácil confundir um com o outro.

Sem dúvida é um tema extremamente rico e bastante complexo. Recentemente em uma conversa, um amigo disse que se sentia “capado” porque estava sem dinheiro, que se sentia totalmente “impotente. Na minha cabeça, várias questões borbulhavam: pensava no simbolismo que envolve o dinheiro. Perguntei a ele como a esposa dele estava lidando com esta situação, ele disse que os dois raramente conversavam sobre dinheiro; que era chato e quando conversavam invariavelmente resultava em discussão e aborrecimento, principalmente porque ultimamente ela tinha um rendimento mensal maior que o dele que está sem emprego. Fiquei me questionando se esta nova situação o colocava em um “lugar” ainda mais delicado, pois seu semblante mudou, ele se encolheu, por fim, mudamos de assunto. Ele já tinha consigo, perguntas demais para responder.

Apenas 18,1% das pessoas têm o hábito de discutir o orçamento familiar com o cônjuge e com outros membros da família quando a situação financeira está ruim.

Por outro lado, se a escassez também conduz a situações incomodas, o excesso de recursos também leva a inúmeros desconfortos. Relações, pessoais ou profissionais que já estão há muito tempo desgastadas se mantém em função de recursos financeiros. O dinheiro funciona como uma “cola” que mantem precários relacionamentos: casamentos infelizes, relações de poder e de dependência, educação de filhos, questionamentos sobre gênero e remuneração no ambiente de trabalho, dinheiro e a culpa, presentes para compensar ausências, compensação de afetos através do dinheiro, potencialização de sofrimento em partilhas de bens seja em heranças ou em divórcios, indivíduos em conflito que não sabem se são amados pelo que são ou pelo que possuem entre outros assuntos.

O papel do dinheiro como motivador e reforçador de comportamentos, este papel traz consigo bastante dualidade. Existem ainda algumas sociedades onde simplesmente não existe o dinheiro, ou que o dinheiro não tem tamanho simbolismo e as pessoas se mostram felizes, são outros os meios de se trocar mercadorias e afetos.

O dinheiro é tido pelos psicoterapeutas como um dos temas mais áridos abordados na clínica, principalmente nas terapias com casais. Falar de dinheiro ainda é um “tabu” em nossa sociedade e de uma maneira geral conversamos com um pouco mais de facilidade sobre sexo, fidelidade, relacionamentos anteriores, mas permanecemos reclusos, embaraçados ou em conflito para falar sobre dinheiro, o que faz lembrar um pouco a visão de Freud.

Uma mostra da dificuldade de falar de dinheiro, apareceu em uma pesquisa nacional recente realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) onde revela que três em cada dez brasileiros não sabe ao certo o valor do salário do companheiro. O estudo também mostra que o hábito de discutir o orçamento familiar com o cônjuge e com outros membros da família é pouco frequente 18,1% apenas o fazem quando a situação financeira está ruim. O que não parece ser uma boa ideia.

O ideal é que haja transparência para se lidar com o tema, e que o assunto seja abordado com mais frequência, não só em situações extremas, a ideia é que todos os envolvidos sejam ouvidos durante a conversa. O Planejador Financeiro pode ser um excelente parceiro até mesmo um mediador na implantação e condução desta rotina de conversas sobre o dinheiro pois ele não está envolvido emocionalmente com a situação, tem conhecimento técnico, escutará com isenção de julgamento, e o principal, terá a maior satisfação em ajudar.

Falar sobre dinheiro e seus significados é sem dúvida um tema muito rico, muito amplo, são muitos os aspectos, muitas abordagens, muitas áreas de conhecimento discorrem sobre o assunto devido a importância do tema. Com toda certeza, os aspectos tratados aqui neste texto são uma ponta do iceberg, o assunto é muito mais profundo e merece um olhar especial.
Agradeço a sua atenção até aqui. Até a próxima!

CFP® Profissional Magazine

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